por Germana Accioly__
Reminiscência,
Penduricalho, Catrevagem, Miuçalha. Estas foram as palavras que povoaram minha
semana. Dias remexidos, fragmentados, densos.
A terceira mudança em quase quatro anos. E não foi à toa que mudei tanto
de endereço. Estava me revirando por dentro. Encontrando novos lugares para
viver, ser, estar. Um curso intensivo para aprender a ser eu mesma. Um
currículo básico, porque esta formação, espero, é vitalícia.
Escrevo
aqui da varanda da nova morada, instalada na rede. Faz menos de 24 horas que
aqui habito. O domingo de chuva me apraz. Agora mesmo o toró me cumprimentou,
respingando no meu rosto uns beijos leves, aleatórios. O sol duela com as
nuvens e a luz do dia oscila. Vejo uma réstia de azul celeste e ouço o dançar
da água batendo na janela. O calor abafado e úmido convive com o vento da chuva
que vem do mar. Recife!
Minha
cidade natal, cenário das minhas revoluções. Pela casa ainda vejo caixas
encostadas, quadros escorados nas paredes, lembrando a mim que as mudanças
precisam de tempo para se acomodar. Preciso carregar menos coisas, viver com menos
pesares.
Durante
a semana meu filho me disse algumas vezes: é somente uma mudança, mãe. E eu,
dentro de mim, naquele terreno fértil que me nutro, pensava: é tudo mudando.
No
caminhão, junto com os móveis, os cacarecos, as louças, trouxe minha história.
Desembalando aqui lembro de momentos, passagens, festas, beijos, alegrias,
rompimentos. Agora mesmo, abrindo uma caixa com a indicação “bijuterias”,
deixei cair um porta joias de brincos pequenos, todos sem par. Não sou uma
pessoa que combina tudo. Por isso, guardo alguns deles desencontrados. Na minha
mão, uma minúscula flor azul me levou longe. E pensei: eu usava tanto este
brinco! Era um tempo tão leve... Saio catando no chão uns pedacinhos de vida.
Foi uma
semana e tanto! Em alguns momentos achei que ia desistir, em outros me cobri de
força. Decidi dessa vez pedir ajuda, romper com meu padrão. Descobri que pedir
ajuda não significa exatamente receber. Que o amparo vem de onde menos se
espera. Esta foi a principal lição. Curioso, porque anteriormente as negativas,
as farrapadas seriam reforço para a máxima “eu preciso aprender a ser
só”. Dessa vez, pensei diferente. Não tive medo do “não”. Construí atalhos e
refiz caminhos, lancei pontes.
A dor
de cabeça renitente que me acompanha desde cedo pode até ser herança do vinho
de ontem, mas ouso dizer que não... É o metabolismo do que vivi. Acordei hoje
de um sonho que nem precisa de Freud para explicar. Foi um sonho-liberdade. Dei
mais uma volta neste espiral imenso que é a elaboração da vida, o encontrar dos
espaços, a beleza de florir.
Vou
aqui fazer um café, sentir o pé no chão do novo ninho, de onde certamente
voarão ideias, amores, sonhos.
Uma
varanda, uma mulher, a chuva e o domingo. Nada mais cabe na minha bagagem.
Germana Accioly é escritora e jornalista. Publicou “Não é sobre você” (Selo Mirada, 2021). Escreve no blog Perder de Vista