por Wellington Amancio da Silva__
A obra “Vestígios de eternidade” de Cleber
Baleeiro é um pequeno inventário de mundo em que o ser e os elementos da
existência estão constantemente entrelaçados, num diálogo misterioso que o
autor desvela aos poucos tal qual um pintor impressionista. Vejo o cerne do
livro neste entrelaçamento, que funciona na qualidade de metáfora — o ser é
do mundo numa condição de enlaçamento, quase como para se perder dentro dele e
depois retornar com seus vestígios, sinais, impressões, suas relíquias de
sentido, a espelhar-se num torvelinho sem fim dentro dele. A função do olhar é
fundante aqui, porque esta dotação —
no âmago do ser-da-poesia —
não se realiza apenas para a reflexão, ou à observação passiva; atua na
condição de receptáculo interessando do intangível, por isso atua como
instrumento mnemônico do que é sutil, e assim, nesta dimensão movente ele
intervém — em
tudo que ele toca e vê faz outra coisa, não profundamente distinta da original,
mas lhe acrescenta uma assinatura, submerge nesta pelo ato da autoria, sem
tirar-lhe muito ou acrescentar demais, e, se “o mundo é cristal e luz\ no
corpo de outros seres” o ser-da-poesia é partícipe, notadamente na condição
do dizer, apresentar e representar. Por vezes, neste ritual, saber e sentir o
mundo e aproximá-lo é uma questão de similitude em que o macrocosmo e o microcosmo
se unem pela força poética, e assim, por suas mãos, “a fogueira acende o
céu\ quando a noite é mais escura”.
Os fenômenos mais sutis não escapam ao olhar
quase xamânico do poeta, e no percurso ritualístico da sua métrica de valoração
dos ornamentos do mundo, como que sacralizados — numa espécie de litania em quatro partes —, vemos
tecer-se uma epistemologia metafórica em que para juízos sintéticos novos
predicativos se unem àquilo que se enuncia, num belo jogo poético de dar outra
vez sentido as coisas, porque “lá fora o mundo se espelha\lá dentro o homem
se acha”.
A terra e o céu são sempre fenômenos
coadjuvantes no âmago do ser-da-poesia que observa e contempla. Sua
subjetividade, “um espelho de fumaça”, é sempre um recurso dos sentidos
que visa encontrar-se naquilo que observa, que por vezes é “da cor do céu
que reflete”. Se o poeta não pode tanger as alturas com os dedos, logo
estas são vertidas no papel, nestas páginas, diligentemente, em palavras que o
autor conhece experimentando a vida num espelho de entrever poesia, em minúcias
de precisas filigranas.
Cleber
Baleeiro é doutor em Ciências da Religião, professor de Teologia e
Filosofia na Universidade Metodista de São Paulo, escreve poesia há mais de 20
anos, publicou poemas em algumas coletâneas, seu primeiro livro de poesia: A
constituição do mundo, sairá em breve pela Edições Parresia. Também é
interessado em Star Trek e charcutaria.
Wellington
Amâncio da Silva nasceu em 1979, em Delmiro Gouveia, Alagoas. É
professor graduado em Pedagogia e Filosofia, e tem mestrado em Ecologia Humana.
É músico multi-instrumentista e produtor musical. Publicou-se: Ontologia e
Linguagem (2015), Pensar a Indigência com Michel Foucault (2018), Gumbrecht
leitor de Heidegger (2019) e Conceito de modo de convivência (2018), além de
dezenas de artigos científicos. Em literatura publicou-se: Apoteose de Dermeval
Carmo-Santo (2019), O Reneval (2018), O Quasi-Haikai (2017), Epifania Amarela
(2016), Distímicos e Extrusivos (2016), Diálogos com Sebastos (2015), Primeiros
poemas soturnos (2009) e Elegia da Imperfeição (2001). Editor das Edições
Parresia. É membro da equipe editorial da Revista Utsanga — Rivista di critica
e linguaggi di ricerca.