Inferno Astral | Germana Accioly

por Germana Accioly__


por Polly T


Tenho evitado falar das miudezas e das grandezas.


Das dores e das tristezas. Não desejo batizar os sentimentos e apadrinhar o passado. Quero meu sentir pagão, recém parido, papel em branco.


Se eu contasse a minha fábula, soaria mentirosa.


Procuro, talvez com pouco sucesso, ampliar meus horizontes, como quem respira profundamente em busca de alimentar cada pequeno alvéolo pulmonar. A cada inspiração, uma nova tentativa, uma esperança sutil, a coragem moendo a vida.


Nas expirações, expurgo, tento.


A vida tem se apresentado densa, quase tão pesada, que sinto nas minhas mãos seu volume. Nino meus dias, acalento as impossibilidades.


As dores, tenho acarinhado.


As rotas alteradas sem previsão, os acidentes, presentes.


Esta palavra que surpreende, que apreende o hoje e ao mesmo tempo, o inesperado.


A vida embalada para presente. Dentro da caixa, nem sempre está o sonho.


São ingredientes pouco conhecidos. É preciso lidar com eles. Aprender a manejar, tratar, temperar, marinar, escolher o melhor jeito de preparar.


Mudo a metáfora, mas falo da mesma coisa.


Nunca estou preparada. O presente me chega como um atropelo.


Vou equilibrando os pratos, buscando beleza na incerteza. O belo incide também no triste, no desejo interrompido, na alegria que adormece feito café esfriando na xícara.


É maio de mudança da minha década, meu mês Natal.


Sinto o desejo de nascer. De romper o escuro véu e chorar a plenos pulmões a vida esperada.


Sinto quase o grito. Pressinto.


Agarro a intuição pelos cabelos, num último suspiro.


Trago num parto às avessas os desejos. Volto a gestar, procriando a mim mesma.


Não levo muito a sério. É tudo verdade. Inferno astral.

 




Germana Accioly
é escritora e jornalista. Publicou “Não é sobre você” (Selo Mirada, 2021). Escreve no blog Perder de Vista.