Para os que ficam, de Alex Andrade

por Taciana Oliveira__

 



Em sua narrativa breve, mas intensa, Para os que ficam, de Alex Andrade (Editora Confraria do Vento, 2022) nos apresenta Ana, uma personagem vítima de diversos relacionamentos abusivos.  Alcoolismo, culpa, perversão e melancolia passeiam na construção psicológica dos personagens dessa obra, que se descortina em uma visceralidade genuinamente dolorosa e realista:


Naqueles dias intermináveis. Dias de sobrevivência e de muda esperança. Olhava meu pai sentado em seu cantinho do sofá, espiava de relance para que não despertasse a sua curiosidade, o som da televisão regendo a orquestra do dia e de repente percebo o fio de cabelo branco escapando da presilha, suave, leve, com o vento da respiração e dos perdigotos tomando forma até se esparramar no chão à minha frente, respira e inspira, e de um súbito me dirijo à penteadeira onde está o maço de cigarros, mas me atento ao chão, um fio enorme e branco desmaiado me provoca ânsia como se fosse um cadáver. Um cadáver de mim.


A estrutura proposta pelo autor de conduzir uma personagem feminina na primeira voz é uma grata ousadia. Alex Andrade assim constrói uma figura extremamente solitária e impotente diante de uma trajetória permeada de excessos, traumas e violências.


Ana ao revisitar sua história por vezes nos confunde e nos confronta com a possibilidade de uma realidade não factual. Morando com o pai que sofre de Alzheimer, ela nos envolve em uma costura de reminiscências, numa exposição pungente da sua fragilidade, rancores e angústias.


“Para os que ficam” me abraça como uma música triste e necessária, um poema difícil, torto, um pássaro enfrentando furacões:


Corri pelas ruas sem hesitação, não existe passado, ainda pensei, vamos todos morrer, pensei novamente, mas evitei qualquer sinal de desesperança naquele momento.


A noite e os meus devaneios, nada mais doía, os paralelepípedos, as árvores, o som noturno da natureza, e meus pés descalços, as feridas, as bolhas, nem uma coisa ou outra poderiam me interromper dessa vez. Foram-se os presságios, foram-se os sustos, restou apenas essa mulher, ávida de um encontro consigo mesma, correndo desesperada para desvendar todos os seus mistérios e quem sabe entender cada coisa que foi simultaneamente consumida por outra.

 




Alex Andrade
nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1971. Publicou os livros Antes que Deus me esqueça (2018), Amores, truques e outras diversões (2014) e Poema (2013), entre outros. Mantém um blog pessoal e também escreve para o público infantil.

 





Taciana Oliveira – Editora das revistas Laudelinas e Mirada e do Selo Editorial Mirada. Cineasta e comunicóloga.  Na vitrolinha não cansa de ouvir os versos de Patti Smith: I'm dancing barefoot heading for a spin. Some strange music draws me in…