por Taciana Oliveira__
Na pauta desta semana uma conversa sobre o livro de crônicas A dançarina, de Marisa Teixeira (editora Da minha Aldeia, 2020): Eu prefiro dar voz aos silêncios e aos silenciosos do cotidiano, essas ninharias que são as pontes da nossa existência. Prefiro me ver, também, mais como uma escrevinhadora do que escritora.
Confira a entrevista:
1 – Quais
os primeiros passos para a produção do livro A Dançarina? Como descreveria a
experiência de concepção da obra?
Eu não
tinha intenção de transformar as crônicas, acumuladas ao longo dos anos, em um
livro. Passei as escrevê-las no Facebook e, depois no Instagram, redes que não
são propícias a textos, porém têm fluxo de pessoas. Por isso, eu fui apurando
um estilo breve, dentro da quantidade de texto que estas redes permitiam e,
principalmente, para aquele leitor da “passadinha”, que só curte a foto sem ler
a legenda. Então, eu tinha que pegar esse leitor no laço, já no início da
narrativa. Porém, a maioria dos meus leitores eram meus amigos, que teciam
muitos elogios às histórias, ao jeito de eu escrevê-las. Contudo esses
“feedbacks” não eram mais aprofundados, e não me informavam exatamente do que
eles tinham achado interessante no texto. Foi uma amiga que sempre insistiu que
eu publicasse as crônicas, quem me deu um empurrão. À época, seu companheiro
havia recém-aberto uma editora – Da Minha Aldeia – para publicação de produção
de autores independentes. E eu aderi à proposta. Entre as dezenas de crônicas
de bailes que eu tinha, fiz a seleção daquelas que entraram no livro. O Editor
se ocupou do restante: serviço gráfico, de diagramação, revisão e impressão e
registro no ISBN para que a publicação pudesse ser indexada em bibliotecas. Somente
interferi no formato da capa, queria algo artesanal como as crônicas. O desenho
da capa, meio que um clichê tal qual as músicas dos bailes, os dançarinos, foi
feito por um conhecido meu. Alguns livros eu dei de presente, outros fiz
comercialização amadora. Assim, o livro A Dançarina foi concebido. Sem
pretensões.
2 -
Quem nasce primeiro o ensaio “A Psicanálise vai ao Baile” ou as crônicas que
compõem o livro?
As
crônicas nascem primeiro, foram escritas ao longo de 10 anos. Desde muito
jovem, eu sempre tive gosto por narrativas. Já transformava cartas para os
amigos em crônicas. Me viciei no gênero. A mesma amiga me incentivava a fazer
cursos de escrita. Tem aos montes nas redes sociais. Eu sempre cismei que
escrever não se aprende, é mais da ordem de um talento e inspiração, você pode no
máximo aprender fórmulas, mas aí você inviabiliza o estilo. Numa dessas
ocasiões, em 2019, ela me mandou uma oficina gratuita, conduzida no Sesc pelos
escritores Tarso de Melo e Reynaldo Damazio. Foi um grande desafio, pois o
ensaio tem uma estrutura textual específica. Eu escrevia e escrevia e saia
sempre uma narrativa. Até que eu consegui incorporar e elaborar os
ensinamentos, que eram feitos a partir da leitura de grandes ensaístas.
Tínhamos um tema para o ensaio: falar sobre algo da cidade de São Paulo.
Pensei: por que não escrever sobre os bailes, esses recantos da cidade que
ficam num entre tempos e passam desapercebidos? O título quem sugeriu foi o
Tarso de Melo, depois que li o texto em voz alta para a audiência. No final,
ele falou: vale a pena publicar esse ensaio. Foi assim que nasceu, em 2019, A
psicanálise vai ao baile.
3 – Na
sua apresentação você diz que “prefere ser reconhecida menos como uma cronista
e mais como uma porta – voz, uma narradora”. Hoje você ainda se apresentaria dessa forma?
Ainda
me apresento como narradora, é minha essência. Eu
prefiro dar voz aos silêncios e aos silenciosos do cotidiano, essas ninharias
que são as pontes da nossa existência. Prefiro me ver, também, mais como uma
escrevinhadora do que escritora.
4 – A
sua formação profissional contribuiu de alguma maneira para o desenho tão
harmônico dos perfis psicológicos dos personagens apresentados?
A minha
formação em psicanálise é parte da pessoa que sou. A maneira como vejo o mundo
passa sempre por suas lentes. A
Psicanálise é o estudo, a pesquisa e uma metodologia para acessar as
manifestações do inconsciente em cada pessoa. Ela está muito relacionada ao
universo cultural, artístico, literário e antropológico. O inconsciente se
manifesta de forma intermitente, utilizando essas vias de expressão. Quando
você olha uma pintura, por exemplo, o que está expresso de forma muito cifrada
que, às vezes, nem o autor reconhece, é o mundo interno da pessoa: seus
conflitos, seus desejos inconfessáveis, suas angústias que não tem nome. O que
eu fiz nas crônicas e no ensaio, foi construir perfis a partir do meu
entendimento do que os dançarinos e as pessoas com quem cruzei expressavam ou
davam a ver, não quer dizer que sejam verdadeiros, é mais uma interpretação
imaginária minha. Uma característica que aperfeiçoei como estilo, é usar quase
nada de adjetivos para falar dos meus parceiros de dança. A minha ideia é que
cada um que ler, construa o seu próprio personagem e seja, ele próprio, um
escrevinhador. E isso tem a ver com a Psicanálise. Quando se está em análise, o
analisando é instado a construir uma outra narrativa que, de alguma forma, o
lance para fora da fixidez narrativa infantilizada que lhe fez marcas
estruturais no imaginário, uma das instâncias com as quais a Psicanálise
trabalha.
5 – O
teu exercício literário oferece aos leitores uma narrativa honesta e rica de
empoderamento feminino. Você planejou isso ou foi algo que surgiu naturalmente
sem a condução de uma linha editorial.
É
interessante você avaliar minhas crônicas como tendo características de
empoderamento feminino como uma causa. Não me alinho com nenhuma causa, somente
as de direitos humanos para todos, especialmente para os vulneráveis e
oprimidos: justiça, direitos, equidade, trabalho, dignidade. Tem um ditado que
diz assim: Cuidado ao falar de Pedro. Você fala menos de Pedro do que de si. É
possível que essa característica de empoderamento feminino que você viu seja
fruto de um desabrochar da minha afirmação como mulher, única, que pode se
apresentar para o outro sem sentir em menos vali e insegura dos seus afazeres
literários, mostrar meu lado sensível, eu que sempre segurei a bandeira da razão
e da objetividade. Talvez o que você tenha testemunhado, de forma
surpreendente, foi o meu empoderamento como mulher.
6 - Você continua a frequentar
os bailes? Que espaços a dança e literatura ocupam hoje na tua vida?
Com a
pandemia, o setor mais afetado foi o artístico e o cultural por mobilizar
grandes públicos e aglomerações. Dois anos e meio depois, nunca mais apareci
nos salões. Não sei se voltaria, mesmo que a situação estivesse normalizada.
Penso que vivi um ciclo da minha existência e que esse ciclo se encerrou com a
publicação de A Dançarina.
Marisa Teixeira nasceu na cidade de São Paulo e dedicou-se à psicologia escolar e educacional, à psicanálise e à pesquisa acadêmica. Em 2008 descobriu os salões de bailes. Em seguida, na tentativa de conciliar universos tão díspares, começou a narrar suas aventuras no formato de crônicas em seu perfil nas redes sociais, sob a categoria “A Dançarina”.
Taciana Oliveira – Editora das revistas
Laudelinas e Mirada e do Selo Editorial Mirada. Cineasta e comunicóloga. Na vitrolinha não cansa de ouvir os versos de
Patti Smith: I'm dancing barefoot heading for a spin. Some strange music
draws me in…