por Adriano Espíndola Santos__
Ilustração:Jr Korpa |
Djalma
é do tipo que vê o que lhe interessa. Que ser humano é esse, meu Deus, que
passa o tempo se arrastando feito um réptil ensaboado? Divide o tempo em dormir,
comer e otras cositas más. Já faz anos que não trabalha oficialmente,
com carteira assinada. Só inventa, munido de traquejo fora do comum, de tempos
em tempos, de criar um promissor empreendimento. Quer que algum lunático compre
as suas abençoadas ideias. Por último, tinha em mente e defendia uma fantástica
alquimia: repaginar o modelo com que se veneram os mortos. Consistia no
seguinte: o morto seria submetido à incineração e, na própria entidade crematória,
oferecer-se-ia o serviço de fazer uma obra de arte com as cinzas do falecido ou
falecida, para que se perpetuasse no que é “imorrível” – como relatava –, a
Arte. Sendo um sujeito folgado, contava a inigualável proeza para os chegados,
considerando, para chamar mais a atenção do ouvinte, que teria recebido a
inspiração em um sonho – uma forma de justificar horas de sono; ou de atestar
que tinha certa ligação com o mundo celestial, incógnito. Dizia que precisava
de um dinheirinho para registrar a ideia, para não a perder para um
engraçadinho, e que pagaria vinte por cento dos ganhos, alegando, veementemente,
que a fatura era certa. Claro que não caio mais nisso. Caí, confesso, e me
envergonho. Pega, ainda, um ou outro inocente por aí. Será que registra mesmo?
Não se sabe. Volta e meia aparece com bufunfa e comida boa, para se limpar em
casa. Minha paciência está por aqui. Meu filho, Djalminha, me pergunta por que
aturo a relação com o seu pai, e respondo que é por pena. “Filho, você acha
justo que abandone o lazarento na indigência, sabendo que ele vai se estropiar?
Ele é o pai do meu único filho, você; o meu grande amor!”. Meu filho,
felizmente sendo igual a mim, com um pouco mais de sabedoria, diz que o pai só
faz o que faz porque tem onde se escorar; que, nesses tempos difíceis, não se deve
ter pena de um sujeito malandro, que não se responsabiliza por nada. Djalminha
tem toda a razão; eu que sou uma trouxa. Mas, logo, fizeram o que hora ou outra
esperávamos: o descarado foi levado à delegacia e ficará, pelo visto, um tempo
razoável na prisão. É acusado de trambique, estelionato, por vender ilusão. Em
outros termos: garantia de que, com a sua instituição, “Santos do bom juízo” –
veja que o nome do meliante é Djalma Raimundo dos Santos –, empregaria uma
série de baboseiras para “salvar” um infeliz de sua causa difícil; podia ser
amorosa, profissional ou mesmo judicial. Não prestou nem para se safar da
Justiça. Autodenominava-se “curador Santos”. Soube que o conheciam como “o
bruxo”, principalmente no interior do estado. A uma coisa, pelo menos, dou o
braço a torcer: o sujeito esperava a oportunidade certa para aplicar os golpes;
é astuto, inteligente, só que para o mal. Por último, disseram, lá na delegacia,
que ele teria uma conta abarrotada de dinheiro, agora bloqueada; que poderia
dar um fim nos nossos aperreios, se não fosse grana suja. Aproveitou-se das
fragilidades da pandemia, perdas, desempregos etc., para se dedicar às suas
danações. Se ao menos se pudesse consertar, tomasse prumo de uma vez, tudo
seria diferente. Deus me dê um bom juízo para me livrar das malditas tentações.