Seis poemas de Tito Leite

 por Tito Leite__

 


por Jr Korpa

 

TRAVA

 

 

O poeta e a trava da escrita.

 

Pássaro sonoro ou coragem

da palavra, sem malabarismo

 

queria algo feito maçã

ou ipê: há nomes tão deliciosos

que dão vontade de comer.

 

Revirou conceitos e espantos,

nenhuma crônica saciou a parte

 

incompleta da sua garganta.

 

Ele foi cuidar do jardim como

quem medita sobre a serenidade

de uma chuva temporã.

 

O chão semelhante a um sânscrito

numa bata indiana.

 

Uma imagem soluçou 

nas gramíneas daquela manhã

 

[um pássaro morto

entre a areia e as folhas –

com um pouco mais de vento

 

não verei o seu rosto].





RETRATO DE LUZ


É próprio do lúcido

vestir-se de estrelas.

 

Alquimia nas vinhas

de Van Gogh

 

Sagrando

orelhas na colheita.

 

O raio mais sóbrio

dos girassóis.


 



STRAVINSKY

 

A vida, ainda que hercúlea,

é estreita: não há iluminuras

sem o extermínio de uma estrela.

 

Em cada ode, o poeta canta

uma morte: como quem recria

uma semente de alegria

no recreio dos segregados.

 

Rosa primavera sacrificada.

Queremos o insonhável:

a sagração do juízo inicial.

 


 

NATURA

 

 

Cavalos selvagens em fuga

do que é domesticável,

 

do que se afoga na finura

das moiras dos destinos.

 

As patas sangram.

Respirar sem ferraduras,

 

livre do peso de todo

animal que calcula.

 

 

(IN) SENSO

 

 

Minha falta de juízo

que me incomoda

 

é o azul delírio

que me salva e a vontade

de quebrar o gabinete

dos burocratas,

 

o haicai que multiplica

as palavras da minha alma

e faz da caverna iluminuras

com a sombra do Buda,

 

o terceiro excluído

à lógica dos canibais

quando tudo na vida

é impreciso e a arte me diz: sobreviva.

 


NOITES ENSOLARADAS

 

 

Do poema, romperam-se as romãs.

No coro dos granizos,

fugiram as sibilas.

 

Íamos habitar a abóbada celeste,

mas a nave não atravessou

a noite do Hades.

 

Nossa odisseia era para ser maior

que o mar de Homero.

 

 

 


Tito Leite nasceu em Aurora/CE (1980). É poeta e Monge beneditino, mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. É autor dos livros de poemas Digitais do Caos (Selo edith, 2016) e Aurora de Cedro (7letras, 2019). Dilúvio das Almas (Todavia, 2022) é o seu primeiro romance. Participou das antologias Sob a pele da língua – breviário poético brasileiro (org. Floriano Martins, Arc Edições, 2019), Revista Gueto: edição impressa n.1 (org. Rodrigo Novaes de Almeida, Patuá, 2019). É curador da revista gueto. Tem poemas publicados em revistas impressas e digitais.