por Tito Leite__
TRAVA
O poeta
e a trava da escrita.
Pássaro
sonoro ou coragem
da
palavra, sem malabarismo
queria
algo feito maçã
ou ipê:
há nomes tão deliciosos
que dão
vontade de comer.
Revirou
conceitos e espantos,
nenhuma
crônica saciou a parte
incompleta
da sua garganta.
Ele foi
cuidar do jardim como
quem
medita sobre a serenidade
de uma
chuva temporã.
O chão
semelhante a um sânscrito
numa
bata indiana.
Uma
imagem soluçou
nas
gramíneas daquela manhã
[um
pássaro morto
entre a
areia e as folhas –
com um
pouco mais de vento
não
verei o seu rosto].
RETRATO DE LUZ
É próprio do lúcido
vestir-se de estrelas.
Alquimia nas vinhas
de Van Gogh
Sagrando
orelhas na colheita.
O raio mais sóbrio
dos girassóis.
STRAVINSKY
A vida, ainda que hercúlea,
é estreita: não há iluminuras
sem o extermínio de uma
estrela.
Em
cada ode, o poeta canta
uma
morte: como quem recria
uma semente de alegria
no recreio dos segregados.
Rosa primavera sacrificada.
Queremos o insonhável:
a sagração do juízo inicial.
NATURA
Cavalos
selvagens em fuga
do que
é domesticável,
do que
se afoga na finura
das
moiras dos destinos.
As
patas sangram.
Respirar
sem ferraduras,
livre
do peso de todo
animal
que calcula.
(IN) SENSO
Minha
falta de juízo
que me
incomoda
é o
azul delírio
que me
salva e a vontade
de
quebrar o gabinete
dos
burocratas,
o
haicai que multiplica
as
palavras da minha alma
e faz
da caverna iluminuras
com a
sombra do Buda,
o
terceiro excluído
à
lógica dos canibais
quando
tudo na vida
é
impreciso e a arte me diz: sobreviva.
NOITES ENSOLARADAS
Do poema, romperam-se as
romãs.
No coro dos granizos,
fugiram as sibilas.
Íamos habitar a abóbada
celeste,
mas a nave não
atravessou
a noite do Hades.
Nossa odisseia era para
ser maior
que o mar de Homero.
Tito Leite nasceu em Aurora/CE (1980). É poeta e Monge beneditino, mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. É autor dos livros de poemas Digitais do Caos (Selo edith, 2016) e Aurora de Cedro (7letras, 2019). Dilúvio das Almas (Todavia, 2022) é o seu primeiro romance. Participou das antologias Sob a pele da língua – breviário poético brasileiro (org. Floriano Martins, Arc Edições, 2019), Revista Gueto: edição impressa n.1 (org. Rodrigo Novaes de Almeida, Patuá, 2019). É curador da revista gueto. Tem poemas publicados em revistas impressas e digitais.