Três poemas de Lua Pinkhasovna

  

por Lua Pinkhasov__

 


por Jr Korpa

 

 

Café de Amanhã

 

Pão na chapa enche de açúcares

os vasos sanguíneos do burguês ao acordar 

de açúcares padece o corpo cansado

sem pão na chapa na mesa ao levantar 

 

Frutas fornecem nutrientes essenciais,

lipídeos e vitaminas que enchem o cérebro de energia; 

uma uva, uma manga, uma banana

trocam de preços todos os dias no mercado: 

a saciedade está tão cara comprar!

 

Mas o pão, o pão tem simbolismo divino 

na alimentação

foram multiplicados, são o corpo de Cristo 

cada pedaço fora dividido após terem sido ungidos 

em suas santas bênçãos

 

Hoje, à mercê do Estado

que não é divino,

nem pai, nem democrático,

o pão, de tão caro contrasta desigualmente

com miseráveis salários

condenando à inanição!

 

O pão divide o burguês do proletário;

enquanto a mão de um estica-se 

para no miolo algo ali passar 

outras, juntas, rezam à noite 

para quando, no café da manhã 

do amanhã,

o estômago logo acordar. 

 

 

 

Léxico dos Sentidos

 

Cansei de regras

Teoremas

Cansei das ênclises

Próclises

E sempre detestei as mesóclises

 

Querer-te-ei?

Como poderia querer-te no futuro?

Ter você agora seria o único presente mais que perfeito aceito pelas minhas linhas

 

Preciso criar um novo tempo pro pretérito

Um que eu possa usar em qualquer texto

E sirva para todos os momentos com você

 

Eu quero rasgar o verbo

Expulsar todas as minhas hipérboles

Como alforria

Quero gritar interjeições

Sem analogias

Quero a palavra nua

E sentir todos os paradoxos da minha existência saindo pela boca

 

Não quero o uso correto do idioma

Quero gaguejar

Me lambuzar nos erros

E delirar entre as palavras tão livres expressadas

 

Quero cuspir palavrões

Buscar o sentido pejorativo

Escrever fora das linhas

Rabiscar tudo escrito

E quem sabe rasgar a folha

 

Quero me libertar da minha forma humana

Amar outras espécies

Afiar minhas presas

Usar minha prosopopeia

E me transformar em quem

talvez seja quem de fato sou

 

Eu quero a sinestesia

Aprender

Prender

A tua língua em mim

E jamais usar amar no verbo oculto

 

Eu quero abusar dos neologismos

E encontrar a palavra exata que sirva como palíndromo

Que mesmo que você leia de outras direções, o sentido será o mesmo

 

Mas antes, não se esqueça de respeitar meus parágrafos

Pois são eles que definem o começo

das minhas histórias

 

Então, engula minhas reticências

Não pause nas vírgulas

Saboreie cada silêncio

E você estará sentido o verdadeiro gosto do meu léxico

E o que vem depois serão palavras sinceras

sem pontos finais.

 

 

 

Verborragia

 

É nos confins das mentes silenciosas

Que adormecem os verbos pungentes

Inflamados por salivas raivosas

São ricos em sentimentos latentes

Os sons que os ouvidos guardam

Reverberam pelos séculos encerrados

Emergem em meio a noites nubladas

E transbordam nos travesseiros

As noites longínquas agonizam em meio às luzes oscilantes da lua cheia

Solitária e flutuante

Despede-se no raiar do dia enquanto deixa seus apaixonados carentes

No embalar da melancolia

Em meio aos minutos escorridos

Com a cabeça latejando o vácuo

O grito se torna inaudível

 

O peito refreia todas aquelas emoções

Adormecidas

Mas os ouvidos inocentes

Não possuem proteção contra os sentimentos penetrados

E no epílogo do corpo

Eles são apenas a porta de entrada das emoções

Não são eles que sentem

Os sons são carregados pelas veias que os levam até o coração

Esse quieto e dormente

Sente mesmo com sua derme grossa

Roupa que o veste

E sua clava de ossos na frente

Sua eclosão se dá para o corpo inteiro

Da ponta dos dedos

Percorrendo pela pele

Passa pelo rosto

Chega até a cabeça

Assim seus circuitos são acionados

Suas sinapses erram os trajetos corriqueiros

Uma tropa de pensamentos de berço

Voltam a sibilar raivosas na mente

As letras liquidificam-se

Perdem-se entre as vísceras

Preenchem os espaços

Até não mais caber e sair pelas chuvas torrenciais do corpo

A alma não escuta, não fala,

Pois quem sente é a carne

Que se desmancha em gotas pela face

Quando as palavras perversas,

Deveras diretas, a fazem pingar.








Maria Gabriela Cardoso
, 24 anos, gaúcha atualmente morando em Santa Catarina. Apaixonada por todos os tipos de artes, mas principalmente as que envolvem letras. Escreve contos, poesias, crônicas e novelas com o pseudônimo Lua Pinkhasovna para revistas, podcasts e antologias, assim como também para seus canais próprios intitulados Excertos Diários.