por Anthony Almeida__
Ontem deu saudade do meu velho. Era boca da meia-noite e eu ouvia a
saudade do meu pai pelo WhatsApp. Eram áudios antigos, eu tentava aplacar a
nossa distância e transformava o aplicativo e suas mensagens num lugar de
afeto. Mas a saudade dele estava ainda maior do que a minha e não se preocupou
com horário nem se satisfez com áudio antigo, queria vídeo e movimento. Queria,
na verdade, abraço, cheiro e toque.
Não adianta, WhatsApp não é um lugar, não, não é! Mas era o que tínhamos
e temos. Faz parte, isso é o que acontece quando um filho escolhe morar noutra
região. Usamos o vídeo madrugada adentro. Ele chorou quando me viu. Primeiro
festejou e berrou sua alegria (não duvido que, lá do quarto, minha mãe tenha
ouvido a celebração – deve ter dado um sorriso de canto e ter voltado a
dormir), meu pai, se embalando na rede da sala, sorriu muito, comentou que meu
cabelo cresceu e, aí sim, caiu no choro. Eu, cabeludinho, também sorri de
canto, berrei minha alegria, festejei, corizei, mas não chorei. A coriza é a
lágrima do nariz.
Foi bonito. Insuficiente, mas bonito. WhatsApp não permite toque,
cheiro, abraço. Papeamos, papeamos e as baterias arriaram, não as nossas, e
tivemos que pausar nossa alegria. Uma despedida corrida, tchau, tchau, tchau
vai desligar, vai desligar... Um suspiro pelo fim e uma dúvida, será que a
gente bota o celular na tomada e remenda a conversa? Ah, não, tá bom, já tá
tarde, melhor ir dormir, tem que trabalhar amanhã de manhã, e o celular voltou
a ser apenas um objeto. Inerte.
Coloquei o aparelho na tomada, fui para a cama. A cama é um lugar meu,
quando está limpinha, cheirosa, lençóis recém-trocados (e ela estava) e eu
posso me deitar na companhia daquela que amo (e eu deitei), a cama é um lugar.
WhatsApp, não. Meu pai deve ter continuado a se balançar na rede, uma mão no
queixo, para escorar o peso dos pensamentos que ruminavam a saudade, a outra na
parte de trás da cabeça, feita travesseiro e símbolo da satisfação provisória,
a rede é um lugar. WhatsApp, não.
Meu quarto, mesmo nesta cidade distante do lar dos meus pais, é o lugar
do leito em que dormimos eu, ela e o gato Pisco. De vez em quando, acordo e
vejo o sono suave do felino e da felina. Abro sempre um sorriso, dou um cheiro
na testa dela, faço cafuné na barriga dele, o quarto é um lugar. WhatsApp, não.
A sala de lá, onde se balança a rede, é o lugar onde papai, no embalo, e mamãe,
no sofá, assistem a TV que dispara notícias e comerciais de passagens aéreas.
Ao fim da propaganda, se olham, será que nosso filho conseguiria viajar para cá
com essa promoção? A sala é um lugar. WhatsApp, não.
Calma, meu pai. Calma, minha mãe. Ainda não será com essa promoção aí.
Mas falta pouco para a gente se reencontrar. Por hora, a gente dá um jeito de
fazer do WhatsApp um lugar. Já, já a gente se abraça e se cheira, bem aí na
nossa casa. E, uma coisa eu garanto, nossa casa é sim um lugar, um precioso
lugar.
WhatsApp.
Maio, 2022.
Anthony Almeida é professor e cronista. Nasceu em Caruaru/PE e reside em Presidente Venceslau/SP, onde leciona. Pesquisa a Geografia Literária, escreve e estuda a crônica brasileira. Atualmente é cronista do Jornal Tribuna Livre e da Revista Mirada. É doutorando em Geografia, pela UFPE, editor adjunto da RUBEM – Revista da Crônica, e colecionador de cartões-postais. Contato: anthonypaalmeida@gmail.com