por Germana
Accioly__
Recebo uma mensagem de SMS dando conta que tenho uns pontos a expirar no programa de passagens aéreas. São umas 17h30. Cheguei agora da labuta bem cansada. Foi um dia daqueles em que a pessoa não tem sossego. Reunião do café da manhã ao chá da tarde. Se fosse lúdico assim, eu comemoraria, mas na real, é uma demanda atrás da outra, um monte de questões a se resolver, a tal “to do list” aumentando.
Em casa, abro um app de música e fico
lagarteando. O dia vai perdendo a luz do sol e eu acho tão bom a boca da noite!
A casa vazia, eu ocupando todos os espaços. Eis que aquele som de notificação
me tira do meu estado meditativo. Me pergunto por que foi mesmo que eu não
deixei tudo no silencioso... Era a tal mensagem. A semana santa se aproxima, eu
tenho planos para viajar, achei melhor seguir o impulso.
Cliquei
no link.
Fui direcionada para o site. Pediram
login e senha. Claro que eu esqueci. Quando começo a escrever meu CPF para
tentar dizer que eu sou eu, explode na minha cara um banner sugerindo que pelo
App é mais fácil. Clico no X do lado direito do banner e ele desaparece. Volto
ao login. Pedem a confirmação do e-mail e instantaneamente aparece uma caixa de
diálogo vermelha me pedindo para abrir o correio eletrônico.
Terceiro
passo. Lembro das pequenas férias que estou planejando, imagino que posso, sim,
conseguir uma passagem “com as milhas”, e ganho uma dose extra de confiança.
Pois bem. Sigo passo a passo as recomendações e faço uma nova senha “Com pelo
menos uma letra maiúscula, uma minúscula e um número”. A que eu escolhi tem a
avaliação de “Regular”. Estou na média.
Nisso, novamente aquele banner explode na tela, sugerindo que eu baixe o aplicativo. Novamente me livro dele e volto para o site. Consegui entrar, mas parece que é feito para não funcionar. Um sem-número de anúncios me atravessam freneticamente. Loja de departamento, aluguel de carro, hotel. Recarga de celular, panela de pressão, férias no Caribe.
Do nada, enquanto eu procurava absorver
um pouco aquela informação, o resiliente banner me aparece, sugerindo o App.
Quer saber? Cliquei. Fui bater na loja de Apps do meu celular. Até que o
download foi rapidinho. Entrei, coloquei o login e a senha nova e deu certo!
Deu
certo, até um comando aparecer pedindo pra eu provar que eu sou eu novamente.
Era preciso fotografar a minha identidade frente e verso, enviar o comprovante
de residência e confirmar o número do celular. Me levantei, peguei a carteira e
obedeci a cada uma das exigências. Depois, voltei no e-mail e confirmei mais
alguns dados.
Pronto!
Com uma mensagem fofa, sou finalmente redirecionada
para o app. Escolho a data e o destino da viagem. Lembro que não conferi a
quantidade de pontos. Volto, vejo o extrato e calculo que com esta quantidade
vou longe!
Qual o quê!
As tais milhas que eu juntei por pelo
menos 3 anos não garantem nem mesmo a ida. Faltam 15 mil pontos para que eu
consiga ir de Recife a Fortaleza. ACREDITO NISSO NÃO!!!!
Refaço a busca, nada muda.
Meio cansada, já irritada, desalentada
do juízo, fecho o aplicativo. Deixo o telefone no quarto e sigo para a cozinha,
preciso comer alguma coisa. Uns três minutos depois o telefone apita novamente.
É uma pesquisa de satisfação para saber, de zero a dez, quanto eu estou
satisfeita com o atendimento. Eu sorri com tamanha ironia. Lasquei uma nota 3.
Não demorou, recebi de volta uma mensagem solicitando que eu entre em contato
com o serviço de zero oitocentos da empresa. “Nossos colaboradores terão todo o
empenho em melhorar sua impressão sobre a nossa corporação”.
Apaguei
o tal aplicativo do celular, sendo obrigada a responder à pergunta: “quer
desinstalar este app?” Cliquei com todo gosto na resposta OK.
Quer saber? Vou procurar o site da empresa
de ônibus.
Germana Accioly é escritora e jornalista. Publicou “Não é sobre você” (Selo Mirada, 2021). Escreve no blog Perder de Vista