por
Adriano Espíndola Santos__
Do
lado esquerdo morava a dona Celeste. Infelizmente, a velhinha, de oitenta e
tantos anos, morreu no começo da pandemia, ainda em 2020. Acho que foi o
descanso para ela, dado o isolamento forçado em que vivia; com um filho
vagabundo, que, pelas minhas contas, não via a mãe há cinco anos. Do lado
direito, moram, ainda, o senhor Ernesto e a dona Albanisa. Não temos muito
contato. Faço questão de não ser próxima, porque, no ano de 1999, por aí, o
velho militar veio me peitar, alegando que a sua casa estava “sendo derrubada”
pelas infiltrações que provinham do meu imóvel, segundo as suas palavras. Quem
era ele para atestar isso?! Foi uma afronta covarde, além do mais porque ele se
aproveitou de uma senhora – eu – recém-separada, com dois filhos para criar.
Dona Albanisa, no entanto, sempre foi um amor; tentava intermediar a nossa
contenda. Mas veja só como são as coisas: o velho hoje é cadeirante, aleijado,
e quase não tem forças para falar, porque quis dar uma de machão e foi alvejado
por dois tiros, numa tentativa de assalto. Antes disso, fizemos as pazes, sem
trocarmos uma palavra; olhos nos olhos. Respondíamos, como seres civilizados, a
um “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”. Quando soube do maldito acidente,
preparava todos os dias uma sopinha que poderia ser servida ao convalescente e
à dona Albanisa. Os seus filhos vieram me agradecer, pagando-me pelos serviços
de “boa vizinhança”, uma quantia até vultosa, que não tive como recusar. O meu
vizinho da frente é o senhor Alencar – só o conheço pelo sobrenome. Dizem que é
herdeiro de uma marca famosa de condimentos, que prefiro não revelar. Mora só
há pelos menos uns dez anos. A mim me parece que uma neta e uma sobrinha vêm visitá-lo
toda semana. Antes da pandemia, ele até abriu um compartimento na casa imensa
para preparar uma clínica veterinária. Se não me engano, a neta era quem
cuidava. Não sei se era veterinária ou somente dona, mas era muito afável, nas
duas vezes que visitei a clínica, uma para comprar ração e outra para vacinar
os gatos. Dá uma pena danada quando o senhor Alencar passa às quedas nos finais
de semana, voltando bêbado dos bares da região. Outro dia, por acaso, o vi no
Skina, sem máscara, tomando uma cerveja sentado no meio da multidão, vago,
sozinho. Vê só, o homem tem dinheiro e vive na indigência. Já me dispus a
ajudá-lo em alguma emergência. A única vez em que tive de intervir foi quando
um de seus cachorros saiu para a rua, louco, querendo entrar na minha casa. Eu
voltava com os pães para o café da tarde com o meu filho Roberto, e o danado
queria porque queria participar da confraternização. Notei que a porta da casa
do senhor Alencar estava encostada – era daí que o bicho fujão havia saído.
Empurrei o inocente para dentro e bati a porta. A outra vizinha, uma senhora
bastante idosa, na verdade vizinha dele, do seu lado direito, disse que são
raras as vezes em que acontece isso, mas que era sinal de que o “homem estava
mal; embriagado”. Quis debulhar uma ladainha, e eu disse que meu filho me
esperava, que depois conversávamos. Roberto é agrônomo e trabalha viajando;
tenho de aproveitar quando está aqui. Não posso deixar de falar sobre a minha
vizinha dos fundos, a detestável Salomé – que eu chamo, às escondidas, de
Salame estragado. A mulher é um poço de confusão. Reclamou, uns meses atrás,
que o rapaz que havia limpado a minha calçada teria deixado os restos na rua,
perto de sua casa, e que, se isso virasse costume – já que eu seria a razão do
precedente –, ela seria obrigada a “acionar a justiça”. Parece que o seu filho
é advogado, e não deve fazer outra coisa da vida a não ser cuidar dos mil
processos da mãe; ou não está nem aí. Não queira saber o nojo que é ver o jeito
dela tratando do filhinho-príncipe; não gosto nem de me lembrar, tenho ânsia de
vômito; repugna. O filho é até educado, dá com a mão quando passa, contudo a
mãe parte na frente para o esconder da “maldita vizinhança”. Bom, em resumo, o
que queria dizer é que foi um mal negócio o que fiz com o Francisco Borges, o
pai dos meus filhos. Lutei para ficar com a casa, que ajudei a construir;
fiquei e hoje detesto, quero me mudar urgentemente. Quando olho ao redor, vejo
a conjuntura que se formou, e tenho a impressão de que vou acabar tal qual eles.
Não quero. Sou alto astral e isso está me dando nos nervos. Julinho, o meu
filho caçula, trabalha com essas coisas de moeda digital e tem uma boa
poupança. Prometeu-me que depois da pandemia o negócio ia melhorar e que daria
um jeito de comprar um apartamento na praia. Ah, o meu sonho! Não sei se
estarei viva para realizá-lo. Ultimamente, Julinho tem desconversado e pedido
para aguentar mais um bocadinho. Deus me livre do pior – que é permanecer aqui,
nesse asilo a céu aberto, largada às traças.