por Argentina Castro__
O ser
humano é surpreendente. Para o bem ou para o mal, estamos sempre surpreendendo
uns aos outros. Tenho dois irmãos,
apenas. E graças a Deus porque essa vivência com macho, é um saco. Eu sei,
não devo generalizar....
O mais
bruto dos irmãos, com quase cinquenta anos, me revela, depois de meses longe da
família, um olhar que nunca pensei em ver. E revela mais: meu sonho é ter
uma câmera para tirar foto, faz muito tempo que eu tenho esse sonho.
Agora
vive a me enviar belezas, via celular. E me fala das fotos, o contexto.
Disse-me que posso usá-las no meu próximo livro.
E eu -
pessoa que gosta de contribuir com os sonhos das pessoas ao meu redor e que
quero bem- ia comprar uma câmera para mim, agora vou comprar pra ele. Ele não
teve os mesmos caminhos que o meu. Há escolhas e muitos traumas, violências que
aqui não preciso adentrar. Não julgo mais. Antes, porém, sim.
Mas o
tempo passa e a maturidade bota tudo no lugar, às vezes. Claro que há pessoas
que, quanto mais velha, mais sem futuro e desajuizada, mas não estou aqui para
julgar o passo errado dos outros, quando sei que cada um só dá, o que tem.
Meu
irmão serenou. Pelo menos assim, de longe, é o que parece. O que ele tem agora
e talvez, sempre teve, mas nunca demonstrou, por N motivos, é um olhar
poético e surpreendente. Ele me envia beleza todos os dias e eu as recebo como
um pedido de perdão. Ou como se quisesse me dizer que há muita beleza no mundo
e, finalmente ele pode se deter sobre elas, mesmo que seja em um contexto
laboral cruel e de risco.
Certo é
que as pessoas mudam quando querem e se esforçam para isso. O mundo ensina, a
vida lapida.
A gente
só precisa ser como uma casa de portas abertas, nunca fechada, e que recebe
uma boa visita. Se o dono da casa deixar, a visita fica para morar. Mas o dono
da casa não vive só, no mundo. A casa será sempre um lugar social, sempre e,
nem tudo, depende das escolhas dele e, nem sempre, terá escolhas ou
oportunidades...
Em
algum lugar da infância do meu irmão a poesia se perdeu. Agora com quase meio
século de vida, ela volta para casa em forma de imagens, de fotografias. Nunca
é tarde para nascer um artista, um poeta, um fotógrafo.
Argentina Castro - Mestre em Antropologia. Escritora de poemas, contos, crônicas. Articuladora e Mediadora da Papoco de Ideias. Escreveu Bomba d’água Coração (Selo Mirada, 2022), livro de contos.