por Taciana Oliveira__
networking
hoje não terei mesa
redonda no café alternativo
de lisboa, não terei um
bom livro com autógrafo,
não terei foto com
poetas no miradouro da graça.
me dói a falta de
transportes públicos para ver
os amigos que cá moram,
os lançamentos e feiras
de arte, a falta de
livrarias a um raio de 5km,
e a literatura não
chegar à aldeia onde eu moro.
tento falar de livros
nos cafés, mas as mulheres
e os homens estão
exaustos, voltam da apanha da
fruta, só querem um
porto e cinco horas de sono.
o que posso oferecer às
pessoas da minha aldeia
são meus ouvidos, voltar
para casa e me afundar
em livros que vou
comprando aqui e acolá, quando
dou para andar a pé.
minha poesia é feita dessas
minhas caminhadas, do
café, do saco de laranjas,
da mão do meu amor. da
solidão calma e agridoce.
as palavras se
acostumando a estar na província,
longe das pessoas,
colhidas por dedos em vinhas.
*
outro canto
para Maria Valéria
Rezende
se houver qualquer coisa
após a morte
queria que se passasse
em olho d'água
em um lugar meio
alentejo meio sertão
meio andaluzia, sagrado,
em bege-trigo
cada um em sua
janelinha, conversando
e revezando histórias, o
que fez e o que
não fez ou quem deixou o
quê para trás.
ver quem venha pelo
horizonte, saudar
com um convite ao choro
e dois ao riso.
presos nas faces, nas
idades já imóveis,
na última roupa, no
último gato, todos
plantando mandioca e
feijão-de-corda,
nós em casinhas
amparadas em círculo
no centro uma fogueira,
instrumentos
para trabalhos manuais
ao redor, todos
tingindo teares para
costurarmos o céu
lentamente: em azul,
laranja e amarelo.
*download: clica aqui
Taciana Oliveira – Editora das revistas Laudelinas e Mirada e do Selo Editorial Mirada. Cineasta e comunicóloga. Na vitrolinha não cansa de ouvir os versos de Patti Smith: I'm dancing barefoot heading for a spin. Some strange music draws me in...