por Luiz Henrique Gurgel__
Intervenção na fotografia de Bella Pisani |
Não sei
bem se o que Montaigne disse da relação dele com La Boétie serve aqui. Eles
eram dois humanos, pensadores... Eu e o Fubá somos dois sujeitos do mato, de
espécies diferentes, mas que gostam de passear pelas veredas, de fazer xixi em
tronco de árvore e de espantar bois e vacas que encontramos pelo caminho (coisa
que o Fubá faz com muito mais destreza, claro, principalmente porque corre mais
rápido e por ter um latido bem mais forte que o meu).
Mas
apesar dos gostos comuns, temos, evidentemente, nossas especificidades e talvez
esta seja uma das chaves da nossa amizade, do afeto que se encerra
misteriosamente em nosso peito, capazes de sempre trazer novidades um para o
outro. Se me perguntam a razão desse amor, aí respondo como o Montaigne: “Na
amizade a que me refiro, as almas entrosam-se e se confundem numa única alma, tão
unidas uma à outra que não se distinguem, não se lhes percebendo sequer a linha
de demarcação. Se insistirem para que eu diga por que o amava, sinto que não o
saberia expressar senão respondendo: porque era ele, porque era eu”.
Ouso
dizer isso na minha relação com o Fubá, somos um caso concreto de amizade
verdadeira e afetuosa, para além de qualquer explicação objetiva ou
“científica”, mesmo que me falte um rabo e eu tenha duas pernas a menos que
ele. E por mais que também haja - mesmo que eu não queira ou perceba que a
possuo (e a utilizo) - uma relação de poder, algo que tentam justificar pelo
‘especismo’, trem ideológico que vigora soberanamente desde que Deus, no
Gênesis, decretou que o homem devia dominar toda as outras espécies. Boa parte
da humanidade acredita em Deus, digo, nessas palavras de Deus. Então, acaba
sendo a norma que vigora. E olha que nossas vidas – a minha e a do Fubá - se
cruzaram absolutamente por acaso e eu não sei explicar de onde surgiu a
afinidade, seguida de carinho, admiração recíproca... Foge à razão, Montaigne
explica.
É claro
que Fubá, espertamente, apesar de seu afeto, sabe lidar com esse meu poder
humano e chega perto de mim mais devagar quando estou naqueles dias. Mas
importa é que mesmo que o tempo e a distância digam não – quase 300 km nos
separam – sempre que volto lá para onde ele mora, mal aporto o carro na
porteira - longe, antes de uma curva, pra mais de 200 metros da casinha dele -,
vejo-o vir correndo ao meu encontro, alegre, quase humano. Que ouvidos ele tem!
Ou seria a saudade que aguça os sentidos? E aí nos saudamos, passamos dias
juntos entre passeios, sonecas e lambidas (dele). Ou então ficamos em silêncios
repletos de diálogo e novidades. Recorro de novo ao seu Michel: “E com que
devoção e respeito vejo a própria imagem da amizade, tão pura, nos animais!”
Nessas
ocasiões, ele abandona a casinha e passa a dormir ao lado da minha cama. Não
queremos desperdiçar nenhum minuto do nosso encontro. Depois, quando venho
embora, me acompanha até a porteira, de orelhas baixas, latido sumido, indeciso
se fica ou corre atrás do carro.
Nossa
relação está solidificada, tranquilos sobre a fidelidade de um para com o
outro, o amigo sabe que o amigo volta, já nos comunicamos pelo olhar.
Essa história serve apenas para consolo, lembrar o amigo presentifica e mata um tantinho da saudade. Até a volta, Fubá!