por Girlene Verly__
Jr. Korpa |
Lavra
sou solta
sofisticada e ingrata palavra
quero fazer parte, ser ponte
passaporte, estrada
evocada
ao fascínio e ao combate
sou notícia e metáfora
narrativa nua
fato e fake
sou signo, forma e fonema
de larga bagagem
nos usos e abusos
da linguagem
estou em todas as bocas e
línguas
dentro e fora da norma
coisa
de uso culto e leigo
lançada em árdua e sofrida
lida
atravessada de afetos
vocábulo
Renúncia
tomar banho
lavar os cabelos
esfregar os pés
aparar os pentelhos
escovar os dentes
cortar as unhas
usar desodorante barbear
se…
houve um tempo em que ele
fazia tudo
isso
sozinho
então tudo
isso
se tornou muito e incômodo e enorme
ele desistiu - não, o corpo disse
a unha cresceu
a barba desceu queixo afora
e abaixo
os cabelos se ensebaram
a axila rançosa
a urina seca-molhada velha-nova
nos farrapos de roupa
nus
pés descalços, rachados
enquanto os olhos
eu nunca tive coragem de olhar
mão dupla
paradoxo máximo tornou-se a rua
zona
pandêmica do medo
e
da insegurança
campo de guerra contra o invasor
trilha
do imperativo
da doença
da fome
um
contrariado alguém
exigiu
seu retorno ao bulevar
ao espaço da liberdade de direito
do
“seu direito” de ir e vir
pobrezinho do infeliz
do
entediado
saudosista
que suplica plateia para sua
angústia
pungente
que de tanto perambular por entre ruas
e rios
de
ignorância e alheamento
tornou-se mórbida
estatística
teve que abandonar o lar, o bulevar
deixou
de exigir-se a si mesmo
de
declarar sua desimportância
de contemporâneo e deslocado
flaneur
Girlene Verly, poeta, nascida em Araruama, RJ, mineiríssima de coração, há anos morando no interior de Minas Gerais. Sou formada e pós-graduada em Letras, trabalho com dança. Sinto que escrever é como dançar. Pega-se uma palavra e vamos trocando os pares, ao ritmo e ao sabor de cada uma, coreografando as mais infinitas possibilidades no tempo e no espaço, em um inevitável encontro entre corpo e escrita.