Anthony Almeida__
Avenida Paulista por Anthony Almeida
Dá, ou não, para se curtir a noite paulistana depois de se
incensar com psicotrópicos, os mais variados, legais e ilegais, possíveis. Nas
ruas, oferecem padê, padê, vai um padêzinho? Num vão entre a calçada e o ônibus
que desce a Rua Augusta, um vendedor com seu isopor numa carriola negocia
latinhas de cerveja, destilados coloridos e garrafas de catuaba Selvagem.
Vende-se, também, o copo de plástico servido com cubos de gelo.
As calçadas irregulares da Augusta são povoadas por gente
alcoolizada, ou interessada em se alcoolizar, que vagabundeia em busca de
lazer, prazer ou liberdade. Sou parte dessa gente e tenho a intenção, faiscante
intenção, de flanar pela noite de São Paulo. Quero, e vou, simplesmente sair
perambulando pelas ruas e pelos caminhos que me arrepiarem madrugada adiante.
O percurso da noite é maior do que a Augusta e me leva por
outras trilhas. Transito em passagens mal iluminadas por fluorescentes fracas e
avalio os letreiros dos bares e boates. As pontas de cigarros de tabaco e
outros fumos também têm o seu papel no acendimento da paisagem. Pelo chão,
espalham-se monturos de lixo, amontoados de fezes, humanas e animais, e riachos
de mijo que escorrem das paredes mais escanteadas. Ando e lixo, ando e fezes,
ando e mijo.
Ando mais e, deste ponto em que já não sei mais nem que nome
de rua a rua tem, afinal, flanar é isso, farejo um movimento. Noutro monte de
lixo, dois vira-latas, um preto, outro caramelo, mordem, fungam e rasgam o
refugo em busca de algum basculho comestível – encontram uns ossos de galinha
e, entre lambidas e rosnados, tentam devorar a própria fome.
Ando e lixo, ando e fezes, ando e mijo. Ando e lixo, fezes e
mijo; fizo, lejes e mixo; fijo, lexes e mizo até que um néon rosa-piscante, de
um letreiro de boate que vibra uma música conhecida, tira os meus olhos do
chão.
É um forró!
Entro na sala de reboco e o suor, o rala-bucho e o baião
comem no centro. Os casais se remelexem sob a luz cor-de-rosa e o trio
pé-de-serra acunha um forrobodó do bom. Tem sanfoneiro, zabumbeiro e
trianguleiro – que é o vocalista e puxa um emendado de clássicos de Luiz
Gonzaga e do Trio Nordestino.
Entre as pirulitadas e bacalhauzadas do zabumbeiro, abro meus
ouvidos para o sotaque do trianguleiro. Ele é do sotaque sertanejo e a garantia
do bom repertório vem da origem do trio, que deve ser do Sertão de Alagoas,
Pernambuco, Paraíba ou Rio Grande do Norte. Qual dos estados, não arrisco, o
Nordeste é imenso. Em São Paulo cabe muita coisa e me alegra saber que o trio
consegue ganhar a vida com forró por essas bandas, tive que deixar uns trocados
na portaria antes de entrar.
O sanfoneiro puxa o fole, o zabumbeiro arrocha o nó, o
trianguleiro mete um telengotengo aprumado, pigarreia e dana-se a cantar. A
mim, nada mais resta a não ser juntar o meu sotaque do agreste pernambucano à
sua voz e ao seu canto. Achei meu psicotrópico.
Cantamos!
São
Paulo. Novembro, 2019.