por Anthony Almeida__
Foto: Anthony Almeida |
Recife: um pensamento. Uma palavra digitada num smartphone, num
aplicativo de mapas. Um mapa. Um meio-mapa cinza, um meio-mapa verde. Um leste
azul: o oceano que ladeia o cinza. Nomes de bairros. Um zoom em alguns deles.
Um onde vou morar? No cinza beira-mar, no cinza beira-rio, no cinza
beira-verde? Um não sei e um só sei que vou. Um onde que não se sabe e um
quando que, se sabendo, alerta que é hora de se pensar no onde. Um pensamento,
uma pesquisa no mapa, um Recife que se aproxima.
Um Recife-desejo que me capturou pela vontade da mudança, pela vontade
do reencontro, pela possibilidade do horizonte. Um horizonte de planície, um
horizonte de oceano. Recife rés-do-chão. Recife só lembrança, um sonho e uma
evocação, um poema de Manuel Bandeira: "Recife sem mais nada". Que já
foi tudo, que deixou de ser, que eu tanto gostava, que virou distância, virou
saudade, lembrança, que virou desejo. Recife possibilidade de horizonte. Uma
realidade que se aproxima, um quase, um logo, logo.
Recife recinto, um sentimento de pertencer, de querer pertencer, ainda
que seja um Recife sem mais nada. Um recinto que, pelo sentimento, vira um
lugar, um sonho para a vida. Uma vida. Um nada amplo e plano disponível para a
construção do novo, de um novo, de um bom. Recife que se aproxima ligeiro, que
se chega ligeiro, se chega contente, se levanta com a recordação de que o sol
nasce do mar, sobe e brilha nas águas, na areia e na cidade imensa. Um Recife
que me é sol.
Um que é isso, meu irmão? Calma aí, boy. Recife é mais que esse sonho
bonito. Recife pode não acolher, pode agarrar pelos cabelos, esmurrar e chutar,
empurrar, machucar e agredir. Pode, Recife, se encher de nuvens e chover muito
cheio, pode se encher em desespero, pode evocar, outra vez, o poeta Manuel:
"Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho
sumiu". Barro gente morta metralhas escombros deslizamento caiu. Recife
múltipla, Recife raiz arrebentada, Recife asa.
Um Recife que pode decepcionar o coração. Um Recife que pode embelezar o
coração. Que pode ser, pode nem começar. Não, não. Recife já começou. Ainda é
distância e a distância é palavra. Escrevo a distância e a apago quando digito
a palavra Recife no smartphone, num aplicativo de mapas. Um Recife-mapa. Nomes
de bairros. Um zoom em alguns deles. Um onde vou morar? Um não sei e um só sei
que vou. Um Recife que se aproxima, manda recado.
Recife ímã. Recife radar. Uma ilusão e uma rota. Uma chegada que será,
um passeio que será, uma busca e um lar que será. Um cheiro que não me lembro
mais, que sei que pode ser de maresia, de mijo na rua, de mangue na beira do
rio. Um cheiro que não sei mais, mas que sei que será. Recife que será, que é
horizonte e que relembra que partir é triste, que chegar é tanto um amanhecer
quanto um anoitecer. Ainda não é noite, ainda vai demorar para chegar o amanhã.
Mas será, uma noite será, um dia será. Recife será. Recife já é.
Presidente
Venceslau. Junho, 2022.
Anthony Almeida é professor e cronista. Nasceu em Caruaru/PE e reside em Presidente Venceslau/SP, onde leciona. Pesquisa a Geografia Literária, escreve e estuda a crônica brasileira. Atualmente é cronista do Jornal Tribuna Livre e da Revista Mirada. É doutorando em Geografia, pela UFPE, editor adjunto da RUBEM – Revista da Crônica, e colecionador de cartões-postais. Contato: anthonypaalmeida@gmail.com