por Nely da Costa Barbosa__
Minha
avó passava as tardes na janela. Naquele tempo, as moças de “família” não
trabalhavam fora, logo paravam de frequentar a escola e se ocupavam de arrumar
um casamento o mais cedo possível, ninguém queria “ficar para titia”. Aprendiam
como organizar uma casa, cozinhar, bordar, costurar e cuidar da família. E com
ela não foi diferente, mas para os padrões da época, casou-se tarde, aos 29
anos, é que, quando já havia se conformado com o seu destino, eis que surge, naquela
mesma janela na qual ela se debruçara, dia após dia, ele, seu
marido, de onde por três meses seguidos trocavam olhares apaixonados. Ele no
bonde, ela na janela, não falavam palavra alguma, não sabiam nada a respeito um
do outro. Até que um dia, meu avô cheio de determinação, desceu do bonde,
aproximou-se da janela e sem dizer absolutamente nada, entregou-lhe uma carta,
onde pedia autorização dos seus pais para uma visita, com data e hora marcadas. Dizia ainda que, se houvesse o consentimento, ela deveria acenar-lhe na
próxima vez que se vissem. Seria um como um sinal da aprovação dos seus pais.
Permissão
dada, aceno, encontro, tudo assim, a toque de caixa. Meu avô sairia daquele
encontro já com a data do noivado, quando voltaria para visitá-los com
a sua família, para que todos se conhecessem e pudessem marcar a data do
casamento.
Pois é,
tudo saiu a contento, se casaram no dia e hora previstos e foram felizes, assim
acredito. Nas minhas lembranças infantis, viviam em total harmonia. Não lembro de
nenhuma briga, cara feia ou reclamação.
Quando
meu avô morreu, eu tinha apenas quatro anos, mas apesar da pouca idade, sofri
muito. Tenho boas lembranças dele cantando para mim e me trazendo doces da
feira, e ainda, de sempre ouvir as pessoas falando que ele era um bom homem.
Mais
tarde, minha avó, dentre milhares de outras histórias, contou-me como tudo se deu. Só lamento por nunca ter tido a
coragem de perguntar-lhe sobre o primeiro
beijo.
Nely da Costa Barbosa, nasceu em agosto de 1969 em Recife – PE, graduada em História pela Universidade Católica de Pernambuco, estudou música na Universidade Federal de Pernambuco e no Conservatório Pernambucano de música. Atualmente desenvolve pesquisa na área de cinema, mais especificamente sobre o trabalho do cineasta pernambucano Camilo Cavalcante. É apaixonada pelos livros e toda forma de arte. Começou a se aventurar na escrita ainda muito jovem, mas só agora decidiu compartilhar suas experiências com o público, acreditando estar vivendo um momento mais prolífico e mais tranquilo para se dedicar a essa arte.