por Taciana Oliveira__
LITERATURA
esquecidos na mudança — deixei
para trás a casa
o quarto da criança e os
últimos anos da infância
justo no ano que me impôs o fim
na primeira década
costuraram em mim a primeira
linha cadavérica
passei a sonhar com a morte:
tão serena vestido lilás
dizendo-me para deixar — também
— a dor para trás
e pensei no meu irmão: tão
pequeno e tão sozinho
ainda a contar nos dedos os
seus primeiros medos
depois gentilmente fechei a
felicidade nas pálpebras
assim: como aquele que para
sempre deixa de ser
por fim, da minha criatura,
transmutei um novo mundo
para que vivêssemos ingênuas
crenças frente ao absurdo
ORGULHO
perguntarei a você sobre os seus motivos
para se orgulhar e você me responderá
sobre a sua inteligência riqueza e beleza
você olhará para mim e achará que sou menos
não sou a mais inteligente rica ou bonita
mas eu vi um homem rico perder a riqueza
o inteligente conhecer a demência
e a mulher mais bonita definhar a beleza
por isso na minha dor nada me falta e mesmo
que me tirem as pautas e me roubem a calma
me restará a gentileza a inocência e a alma
e quando é isso tudo aquilo que sobressalta
não é preciso de mais nada para se orgulhar
WORKAHOLIC
uma mão se estende em minha
direção
e eu só vejo a garra o tapa a
frustração
estou fechada em mim e carrego
um silêncio
uma dor que desconheço um
cansaço intenso
nenhuma palavra me penetra ou
me pertence
estou trancada num passado que
não me lembro
não quero ser tocada nem
beijada nem cuidada
rompe em mim as marcas da
infância abandonada
sou o risco no vidro a quina do
móvel roído
a bagunça pela casa — uma
tristeza ocupada
#BEAUTIFUL
repetidamente — voltamos ao mesmo lugar e nada importa
nas mãos dos homens o mundo não comporta — eu repito:
nada mais importa: nem o pé de bergamotas
nem as asas da gaivota & muito menos a nossa xota
tudo o que existe é a derrota: as letras mortas
de um passado que sempre desconforta
a beautiful horta que
frutifica & exporta
os donos do Brasil querem ganhar em dólar
nada mais importa — no entanto eu viverei
ao ver o homem trocar o seu nome pelo de Deus
sua face por uma máscara, seus
olhos por pés de cana
seu corpo por um náutico
& seu pênis por dados cibernéticos
eu resistirei para ver o
potencial energético parar de fazer sentido
OMITIR-SE
Incontestável — de dentro de suas casas
poetas deliram palavras sobre salvar a humanidade
— iguaizinhos a mim: covardes!
com as duas mãos partem os livros ao meio
peneiram filosofia moderna, movem a caneta delicadamente
como se preparassem um gâteau
chiffon bem levinho
óleo vegetal, ovos, açúcar, farinha,
fermento em pó e a pura essência de baunilha®
— tudo da mais requintada e clássica gastronomia!
mas nas ruas somente o cheiro a atravessar a avenida
que aos narizes
dos batalhões — não passa de bolo
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Taciana Oliveira – Editora das revistas Laudelinas e Mirada e do Selo Editorial Mirada. Cineasta e comunicóloga. Na vitrolinha não cansa de ouvir os versos de Patti Smith: I'm dancing barefoot heading for a spin. Some strange music draws me in…