Do zero a zero, poema de | Adriane Garcia

 

por Taciana Oliveira__

 






DO ZERO AO ZERO

 

A poeta pede desculpas aos esquizofrênicos

Aos megalomaníacos

Aos narcisistas de grau perigoso

Para falar de si na terceira pessoa

 

Ela pede desculpas por não conseguir falar do amor

Romântico

Da epifania que toma conta do peito quando o céu se confunde

Entre as cinco e as seis da tarde

 

Continua presa ao país, ao transporte público

Continua de olho no remédio que falta no posto

De saúde, chora toda vez que podam árvores

Toda vez que podam crianças

 

A poeta está anestesiada com a anestesia do mundo

A única coisa que salva tem sido

Pensar que mulheres salvaram outras mulheres

Mas nem todos, mas nem todas

 

A poeta anda é na rua

E não anda descalça

A poeta não é nenhuma carmelita descalça

Que até elas têm sandálias

 

(havia um homem prestando atenção em tudo quanto era lixo

olhava para as lixeiras como quem lê um cardápio

e não encontra seu prato predileto

ao seu lado outro homem tentava o milagre de multiplicar os pães

sem pão algum).

.

 

Adriane Garcia




Plaquete do poema Do zero a zero, de Adriane Garcia. Download: clica aqui








Adriane Garcia
, poeta, nascida e residente em Belo Horizonte. Publicou “Fábulas para adulto perder o sono” (Prêmio Paraná de Literatura 2013, ed. Biblioteca do Paraná), “O nome do mundo” (ed. Armazém da Cultura, 2014), “Só, com peixes” (ed. Confraria do Vento, 2015), “Embrulhado para viagem” (col. Leve um Livro, 2016), “Garrafas ao mar” (ed. Penalux, 2018), “Arraial do Curral del Rei – a desmemória dos bois” (ed. Conceito Editorial, 2019), “Eva-proto-poeta”, ed. Caos & Letras, 2020 e “Estive no fim do mundo e lembrei de você” (Editora Peirópolis).




 

Taciana Oliveira – Editora das revistas Laudelinas e Mirada e do Selo Editorial Mirada. Cineasta e comunicóloga.  Na vitrolinha não cansa de ouvir os versos de Patti Smith: I'm dancing barefoot heading for a spin. Some strange music draws me in…