por Iaranda
Barbosa__
Conto
biográfico, biografia romanceada, (auto)bioficção. Esses são alguns adjetivos
utilizados e que nos auxiliam (a mim e a Patricia Gonçalves Tenório,
responsável pelo posfácio do livro) a como poderíamos classificar Em nome de
Rosa, de Bernadete Bruto. Mais que a classificação ou as técnicas
utilizadas, nos importam mesmo as nuances e as sutilezas envolvidas na obra.
A
autora, como se nos convidasse para um chá com biscoitos finos, abre o álbum de
fotografias e começa a nos contar a sua genealogia, nos apresenta os seus
antecessores, os primórdios de sua formação familiar. Pouco a pouco vamos
descobrindo a força de mulheres submetidas a uma sociedade patriarcal que lhes
impedia de decidir sobre os próprios sentimentos, vontades e sonhos. Tolhidas
devido a costumes e tradições presentes na estrutura de uma cidade pequena e
interiorana do estado de Pernambuco (assim como tantas outras do país e do
mundo), filhas, esposas, irmãs e sobrinhas eram criadas e tratadas como
autômatas de carne e osso, destinadas a satisfazer ordens masculinas e cumprir
papéis estereotipados:
“Seu
Luiz Castro, conceda a mim a honra de casar com sua filha Rosinha!”. O pai, foi
logo retrucando: “De jeito nenhum! A mais velha está na vez de se casar!”. Foi
assim que, ao invés de lhe dar Rosinha, dava Lia!
Vale
a pena ressaltar o verbo utilizado por Bernadete Bruto: “dar”. Contudo,
o livro nos apresenta rotas de fuga, seja pela loucura seja pelo celibato
religioso ou pela desobediência, mínima que seja, que provoca revoluções e
começa a minar as bases de uma estrutura que aos poucos dá indícios de
rachaduras:
Da noite
de núpcias, só se sabe que no dia seguinte acordou tão desgostosa, que nunca
mais usou meias. Era obrigação de toda moça decente naquela época, muito mais
de senhora casada. Então, não usar meias cobrindo as pernas era muito
indecente. Todo mundo falou, foi um escândalo “Rosinha não usava mais as
meias”, o povo comentava. Rosinha nem se preocupou com o falatório, a questão
da compostura. Se foi tratada como mulher da rua, por que teria que usar meias?
[...]
Essa foi a primeira vez que Rosinha tomou uma atitude de desfeita à ordem
vigente.
O
direito de escolha para usar ou não acessórios foi a pequena revolução iniciada
por Rosinha. A primeira de muitas outras pequenas revoluções que sucederam e
que culminaram em estratégias de sobrevivência.
O
conto, repleto de reminiscências e referências empíricas, vai desenhando, ao
logo das páginas, a face de personagens que se entrelaçam. A conexão entre eles
vai constituindo um emaranhado de histórias que se complementam, se unem na
conjuntura de um ambiente quase distópico, mas que, infelizmente, é real e
ainda bastante vívido.
A
narrativa nos diz que: No final do século XIX, a maior aspiração das
mulheres era o casamento. Encontrar um bom marido, encher-se de filhos e viver
para eles até transformarem-se em vovós, mas o próprio desenrolar dos
acontecimentos nos revela que essa não era bem uma aspiração, já que elas não
tinham escolhas, pois viviam aprisionadas por diversas correntes, entre elas, a
familiar, a social e, sobretudo, a religiosa: A doutrina [católica] era
como gaiola que prendia vidas, por isso viviam enjauladas.
Rosa,
Rosinha, Rosalinda são todas uma única flor que mal saiu do estágio de botão e,
mesmo impedida de desabrochar e condenada a murchar, vestiu-se de negro e saiu
à procura da luz. Contradição? Talvez. Mas o que não é contraditório neste
mundo ainda inóspito para o corpo feminino?
Iaranda Barbosa, formada em Letras Português-Espanhol, pela UFPE, possui mestrado e doutorado em Teoria da Literatura pela mesma instituição. Salomé (selo Mirada), novela histórica é sua primeira obra ficcional longa. A autora possui contos em antologias e revistas de arte, assim como diversos artigos científicos publicados em periódicos especializados em crítica literária.