por Yvonne Miller__
Escrevo
esta crônica em papel, à luz da vela. Não por ser romântica (o que também sou),
mas porque cortaram a luz. Não por eu não ter pagado a conta (o que também
poderia ser, vendo o valor que tá), mas porque vão consertar algum negócio lá.
Ainda bem que avisaram, assim já comecei a ficar empolgada de antemão. Não pela
falta de luz em si (o que, convenhamos, traz várias desvantagens), mas pelo
benefício que posso tirar disso. Ainda mais quando não tem horário para voltar.
Fiquei empolgadíssima.
O
corte estava previsto para começar logo de manhã. Antes de dormir esqueci de
boa vontade de carregar a bateria do computador e do celular, programei o
alarme para às 5 da madrugada. Com o primeiro toque, pulo da cama e coloco as
cervejas no congelador. Ainda têm um par de horas. Às 7h minha esposa sai de
casa xingando a Celpe. E minha festa começa. Sem poder lavar roupa, nem
trabalhar ou perder as horas nas redes sociais, tenho um delicioso leque de
possibilidades diante de mim. Resolvo primeiro voltar a dormir. É assim que se
começa um bom dia: dormindo até não-poder-mais. Acordo umas 10 e meia, com
fome. Oba! Desço à cozinha e saqueio a geladeira escura. Tapioca, pão de
queijo, os patês caseiros que a gente ganhou e o resto da sobremesa de ontem. Olha
só, meia caixinha de chantilly na porta, vai também! Boto na melancia, para
comer com o segundo café. Só hoje me permito dois – não por ser dia de festa (o
que por si já seria uma boa justificativa), mas porque sobrava leite na
geladeira. É que não pode desperdiçar. Me sinto como Píppi Meialonga naquela
cena do aniversário da vizinha. Píppi é a personificação da felicidade. Píppi enche
o prato até não-caber-mais e guarda garrafas de limonada numa árvore oca. (Provavelmente
tinham cortado sua luz.) Depois do café da manhã – tá bom, já é quase meio-dia,
mas tudo bem – aperto o interruptor de luz da sala. Ainda nada. Então chamo o
Chico e damos um passeião sem pressa que vale para todos os passeios meia-boca
que já fiz com a desculpinha da falta de tempo. Voltamos para casa famintos,
estamos há sete horas sem luz e a geladeira ainda está meio cheia. Faço o
almoço ao modo Píppi e, logo depois, já que não vai dar mais pra trabalhar
mesmo, abro a primeira cerveja. O truque do congelador funcionou. Passo o resto
da tarde no fundo da rede, com os contos Dantescos do Ponciano Correa.
Combinou, embora eu, com minha folga inesperada no meio da semana, me sinta mais
no paraíso do que no inferno.
E
agora, já de noite, geladeira vazia, só restam as batata-chips, azeitonas e mix
de castanhas na despensa. Levo tudo pra varanda, apago a vela e faço minha ceia
à luz das estrelas.