por Yvonne Miller__
Vim
passar uns dias em Maracaípe – vizinha menos badalada de Porto de Galinhas –
para me recompensar pelo trabalho estressante das últimas semanas. Aluguei um
quartinho com varanda perto da praia, onde, mesmo que chovesse todos os dias,
poderia deitar na rede e desfrutar de longas horas de solidão e tranquilidade.
Longe das tarefas domésticas, dos pedidos de atenção do Chico e da miadeira
exigente do Salém – só eu, alguns livros e o caderno para escrever.
Tudo começou bem: depois de confundir a pousada com uma casa particular e invadir sem querer a cozinha de um casal de idosos, finalmente fiz o check-in com sucesso e no estabelecimento certo. Jantei uma deliciosa tapioca recheada com verduras assadas num café bonitinho a poucos metros da praia onde teria dado para ouvir o rumor das ondas se não fosse pela muvuca no bar da esquina. De volta ao quarto, assisti, quase sem problemas de conexão, a um sarau virtual com várias poetas cearenses admiráveis e às 22 horas finalmente deitei na cama e abri Flor de gume. No mesmo instante, no andar de cima resolveram ligar o som. Não me peçam detalhes: quando a música é ruim, nunca identifico o gênero. Maldisse a invenção das caixas portáteis e tentei me concentrar na viagem de barco da protagonista pelos rios amazônicos da sua infância. Mas a voz narrativa se misturava com as vozes vindas de cima, que lutavam para se sobrepor à batida artificial e à voz estridente da cantora: “Jesus salvou meu coraçããão”. A personagem do livro não teve tanta sorte, pelo menos não nos momentos em que apanhava do pai. Também os homens lá em cima gritavam cada vez mais alto e usando tantos palavrões, que eu, sem entender o resto do diálogo, cheguei a perguntar-me se estavam brigando ou brincando. Quando é baixaria, nunca consigo distinguir. Mais de uma vez me levantei para chamar o vigia que dormia na recepção, mas, antes de chegar à porta do quarto, de repente os xingamentos davam lugar a risadas e eu voltava pra cama: devem estar só conversando, então. Finalmente um bebê começou a chorar e seus berros se sobrepuseram à caixa de som, às aleluias da cantora, aos gritos e risos dos homens.
Nunca agradeci tanto pela presença de um bebê nas minhas férias. No fundo, no fundo, eu sei que ele estava só treinando os pulmões e as cordas vocais para daqui a vinte, trinta, quarenta anos também roubar a paz mental de alguma pobre cronista com falta de sono numa pousada de praia qualquer, mas esta noite ele me salvou. Não meu coração, mas meu juízo. A música e as vozes cessaram miraculosamente e eu consegui terminar de ler o capítulo antes de cair num sono profundo, gostoso e necessário. Aleluia!