por Valdocir Trevisan__
O Sétimo Selo, Direção: Ingmar Bergman |
Em uma
das últimos crônicas cito a partida de xadrez que o filme do cineasta sueco Ingmar Bergman
propõe a um guerreiro, que perdido em sua jornada retorna das Cruzadas. Alguns
dos leitores pediram mais informações sobre Bergman e a temática do filme
produzido em 1957.
"O Sétimo Selo" fala de nossas agruras cotidianas, o absurdo da morte, e da vida. O personagem central retorna desiludido com seu destino e tem pela frente a devastadora peste do século 14. A morte se apresenta e Antonius Block sugere uma partida de xadrez: se vencer, segue sua vida, caso contrário...
Bergman
revela a pobreza humana com diálogos existenciais e curiosos como "uma
caveira pode ser mais interessante do que uma mulher nua", ao mesmo tempo
que insere danças da morte nas auras dos infelizes. Ele enxerga o outro lado na
trupe circense que quer "viver". Eles percebem que o tempo passa e declamam
seus poemas: "sua vida, ó idiota, se segura por um fio. Curto é seu
dia".
Na
verdade nua e crua não precisamos de guerras, cruzadas, pandemias e pestes para
saber que se a vida é bela, pode ser trágica. Ora, quantas pessoas já viviam
"trancadas" antes da pandemia? Quantos perderam o seu tempo valioso
com miudezas? Isso, antes da pandemia ou nos jogos
com a morte. Quantas vezes estamos em xeque-mate? E, incrível, mas em alguns
momentos estamos e nem percebemos...
Block percebe a encruzilhada e questiona seu Deus. Seus pensamentos íntimos são obscuros diante das absurdas relações humanas. Walt Whitman afirmava que os animais tinham uma vida serena porque não falavam em "obrigações" com Deus ou Deuses. E dizer que Block sentia até inveja dos animais... Mas Bergman nos lembra o caos produzido pelas mãos humanas com duas guerras mundiais, uma Europa destruída e o indivíduo desiludido. As sombras das guerras assolam vontades e como ele mesmo destacou em seu "Luzes do Inverno", os suicídios tornam-se corriqueiros. Todos, ou a maioria, estão envolvidos em suas partidas de xadrez. E quando uma ponta do iceberg surge como esperança, as diferenças sociais e econômicas recrudescem. A ambição pessoal derruba o coletivo.
Mário de Andrade condenava o coronelismo do início do século XX nos seus contos avassaladores. Em “O Poço", ele revela na diversidade econômica o valor de cada um. Quando um fazendeiro trata seus empregados como escravos, a desumanização que encontramos na narrativa de Bergman é evidenciada na de Andrade: a caneta do fazendeiro cai no poço, e ele exige que busquem a relíquia mesmo que uma tempestade ameace desabar com tudo. Em determinado momento, o senhor de engenho suspende as buscas porque "não sou nenhum desalmado, óbvio que não ia colocar em risco minha gente", ao mesmo tempo que abre uma gaveta com sete canetas iguais a aquela que caiu no maldito poço.
Que
"humanidade"!
Recomendo buscar Ingmar Bergman no YouTube. Seu existencialismo emociona e nos força a entendimentos, ou como diria Kant, esclarecimentos. No seu filme "No Limiar da Vida" (1958), o roteiro se passa dentro de uma maternidade quando uma mãe perde seu feto e um personagem diz "é como se a vida tivesse morrido".
Enquanto
para uns uma caneta vale mais que a vida do próximo, para outros a luta diária
é contra a morte. Os xeque-mates estão apresentados para que o limiar da vida
de cada ser tenha maior significado.
Valdocir Trevisan é gaúcho, gremista e jornalista. Autor do livro de crônicas Violências Culturais (Editora Memorabilia, 2022) Para acessar seu blog: clica aqui