por Luiz Henrique Gurgel__
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A cada
manhã, para ganhar meu pão, atravesso as ruas do bairro, passageiro num ônibus,
vendo o sol fraco bater nas antigas casas coloridas do caminho. Ainda há muitas
delas com acanhados jardins por trás de muros baixos, sem garagem, e pequenas
escadas que levam seus moradores até a porta. No ônibus, nessas manhãs de inverno,
as pessoas parecem se conhecer, são simpáticas e se cumprimentam como se
tivessem acordado ouvindo Penny Lane:
“Olá! Como vai?”.
Desço
do coletivo e percorro outras ruas, mais agitadas, e que vão dar na estação.
Repletas de sacos de lixo amontoados junto a postes, aguardando a coleta, resultado
da faxina de garis, na noite anterior, recolhendo os restos de botecos da rua
Diana. Ainda assim parece que há um sorriso coletivo estampado nos rostos que
passam. Até PMs em ronda lembram os gentis policemen londrinos, cantados por
Caetano, satisfeitos em dar informações para quem esteja perdido ali no mangue
de ruas feias daquele pedaço de uma cidade. Cidade que parece estar sempre em
dúvida sobre si mesma. Por ali também
passam as meninas esforçadas e sonhadoras, de mesma deselegância discreta, apressam
o passo para o trabalho nas lojas, consultórios, salões de beleza, escritórios.
São manicures, recepcionistas, vendedoras de roupas – daquelas amontoadas em
bancas -, seguranças de shopping, atendentes em botecos copo-sujo ou que ainda
estão correndo para pegar o trem e sacolejar até a capital.
De um
pequeno caminhão de gás, parado rente ao meio-fio, sai baixinha a melodia
famosa, enquanto um hábil carregador leva dois bujões azuis, pesados, um em
cada mão, e como um percussionista, ao mesmo tempo bailarino, faz com que eles
se toquem afinadamente e no tempo certo entre o vão de suas pernas a cada passo
dado, em harmonia com a vinheta sonora.
Na
porta da pastelaria, o senhor Liu, chinês encastelado há mais de 40 anos
naquela esquina, cofia seu bigode Fu Manchu e observa o movimento, enquanto lá
dentro no balcão, logo cedo, um homem solitário saboreia o pastel de carne
moída salpicado de pimenta vermelha.
Eu
ainda tentava buscar o infinito azul do suburbian sky que se esgueirava entre o
imenso viaduto cinza e a ponta dos telhados de velhos prédios envergonhados que
ficaram por baixo, fachadas descascadas e cobertas por anúncios tortos, neons
carcomidos, não havia para mim a moça de voz demi-sec a cantar Billie Holliday
pelo caminho e muito menos o menino contratenor, com boné cheio de moedas no
chão, entoando alguma ária conhecida para aliviar a suja sonoridade daquela
hora. Também não via uma versão local da dura poesia concreta das esquinas, mas
versos de um poeta perdido, resistindo no asfalto das quinas das esquinas,
confundidos aos restos de faixas de segurança. Quem ainda lê poesia? Será que
mexe com o juízo do homem que vai trabalhar?
Continuo
no caminho e solfejo quieto o que conheço entre os ritmos de Penny Lane, London, London e Sampa,
eu também a caminho da estação que ganhou o nome de um grande sujeito que a
essa altura nem imagina no que se transformou aquele projeto (in) feliz de
cidade.