Insanos | Adriano Espíndola Santos

  

por Adriano Espíndola Santos__

 

Jota Camelo


Seria um dia perdido, não fosse a intervenção do mal. Sou do tipo quieto, não procuro confusão com ninguém; prefiro seguir a minha trilha. Mas fui catapultado a um novo grupo no WhatsApp, no sábado, do qual venho tentando sair, seis vezes contínuas: quando saio, um dos administradores me colocam de novo; ou seja, um loop infinito; parece que vou morrer asfixiado nesse pesadelo. O que Nonato faz? Ri da desgraça alheia. E ainda, por sinal, ele diz que preciso sair do muro, me posicionar, porque “está ficando feio para mim”. Ora, ora, não sou um velho babão que entra em conversa de milico; eu que teria vergonha de um dia ser visto com uma fantasia ridícula, todo verde e amarelo, pulando feito uma maritaca, em uma passeata de 7 de setembro – essa cena foi orgulhosamente interpretada por Nonato e afins. Isso é o que os seus netos vão ver, no futuro; que o cabra ficou velho e decrépito. Pois sim, falei no privado com Luís Antônio e Ivan, dois colegas que conheço superficialmente, amigos de Nonato, também administradores do grupo de cerca de duzentos participantes, e a resposta de Luís Antônio foi em tom de gozação: “Leva na brincadeira, cara. Se apoiar o capitão, tá tudo certo” – Ivan sequer respondeu a minha mensagem; visualizou e me esqueceu. Hoje já é segunda-feira, e estou para ter um troço com o tanto de baboseiras que inventam de enviar; é fake news a rodo. Fiz um propósito de não entrar no grupo, mas é o inferno: a cada segundo uma nova notificação. E o pior, Chico, meu filho, inventou de se amancebar e mora agora com a namorada; só vem me ver uma vez por semana, e olhe lá – e nesta virá na sexta-feira, se eu não estiver morto. Estou ligando insistentemente para o Nonato, o vagabundo do meu amigo; deixo mensagem e o escambau, e ele não atende, desde ontem – claro, ele sabe das minhas intenções. Por acaso, abri o maldito grupo quando estava de passagem, procurando uma conversa com Chico. No ato, vi a bandeira do Brasil aberta, imensa, cobrindo um gramado em uma praça pública, deduzi. Tiraram a frase “Ordem e Progresso” da flâmula e colocaram no lugar o nome “Jair Messias Bolsonaro”. Abaixo da foto, uma infinidade de congratulações, aplausos e memes, dos mais insuportáveis. Surgiu-me uma ideia bacana, apesar de não ser defensor ferrenho do PT: simplesmente me posicionar, como pediram. A partir de hoje, para todos os efeitos, serei Lula; uma forma singela de contrariar e atiçar o grupo de malucos. Troquei os avatares dos meus perfis nas redes sociais para a foto do Lula. É, remédio para doido é doido e meio, já dizia meu sábio pai. Pois será assim, de agora em diante. Até meu filho me deu atenção; estava efusivo: “Não sabia dessa sua posição. É isso aí, coroa!”. Sim, pelo visto teremos salvação.

 

 

Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. Instagram/adrianobespindolasantos | facebook/adrianobespindolasantos  | Email: adrianobespindolasantos@gmail.com