por Ângelo Fábio e Luiz Mauro Leonel__
Ori, palavra da língua iorubá que significa cabeça, que se atribui a uma intuição espiritual e destino. O Ori é o que nos guia e o que representa nossas particularidades individuais e existenciais. Cada um de nós temos uma referência que nos guia, que nos sinaliza os caminhos.
Brasil é um país, e onde Camaragibe se conecta com Gana? África tecido do mundo, Suhum em Gana tem lá suas particularidades tal qual nossa região. Então temos aqui algo que nos guia e sinaliza caminhos, a fotografia conceitual do camaragibense Lucas Nogueira e do ganês Awuku Darko Samuel.
A 4.393 km de distância entre Pernambuco e Gana nos deparamos com algo em comum, a imagem. Retratos do cotidiano carregados de poesia e ludicidade que registram a rotina de jovens periféricos. Explorar a criatividade a partir dos recursos que se tem em mãos, o smartphone, nele há uma potente exploração destes recursos tecnológicos onde o registro se transforma numa importante contação de histórias que materializam as ideias que passam por seus Oris. Ao registrar o instante presente do cotidiano de seus amigos, nos deparamos com uma forte identidade da rotina de muitos jovens periféricos. Seja num simples corte de cabelo, como um forte trabalho estético e poético a partir da transformação de seus modelos. Desconstruir o lugar comum, recriar outras poesias…
Aprendemos por aí que o melhor tempero é a fome, e no caso das pessoas que caminham constantemente com as dificuldades de se manter em vida nos grandes centros urbanos esta fome nos fazem explorar outras possibilidades e criatividade. Contar histórias a partir de imagens do dia a dia nos possibilita criar métodos e narrativas visuais, sejam elas explorando o lado lúdico como denúncias diante o nosso entorno. Fugir do lugar comum imposto a muitos jovens das periferias dos grandes centros é uma tarefa árdua, e nela conseguimos nos deparar com trabalhos que nos dilatam a pupila.
Em toda a sua força e grandeza o Ori nos resguarda sonhos e nos permite seguir em nossas particularidades individuais e existenciais.
por Luiz Mauro Leonel
Amo Mama África, alguns dos meus pisaram o solo sagrado quando para cá viemos... ficou-me a memória e os deuses.
Os deuses, ÒRÌŞÀS... reunidos, no panteão que temos hoje, pelas Ìyágbàs primordiais... amalgamaram o que d'África foi trazido no tumbeiro de dor.
...Tantos alunos angolanos passaram por mim, em casa festejaram, conversamos, trocamos, rimos. De comum entre nós, a tez escura.
Tive que aprender a ser Preto em terras do Brasil... eles nasceram gente, Gente Preta em terra d'África.
Minha ancestralidade próxima... Maria Rita, ainda na senzala; sua neta Benedicta trazendo conhecimentos, plantas, sua guiné perfumando a casa, o bolo de fubá, seu pilão, pito de barro... Moacyr e Norma contando-me o que sabiam da família, suas tramas e saberes: comida, reza, manias, crenças... tudo no cotidiano da vida. No quintal em bairro que se tornou “nobre”, um pouco da vida em comunidade: o terreiro central com as couves, o caqui, o figo, a uva, goiabeira; ao lado o galinheiro e chiqueiro... a casa maior e três menores aninhavam os membros desse pequeno quilombo.
Da ancestralidade d'África distante, o que sei é o tenho aprendido nos meus muitos anos de abiyam errante. São os saberes que as Iyás e Bàbás conseguiram juntar em meio à escravização: como viviam, como criavam seus filhos, o que comiam, bebiam e, o principal, os Òrisàs... seus itans, seu culto, seus cuidados, suas folhas... suas existências. Coisas que acumularam desde os tumbeiros com os irmãos de toda a parte d’África. Amalgamaram tudo no nosso Candomblé, que é “Colo que Acolhe e dá Afeto" (Bàbá Daniel Pereira).
Os Òrisàs ali estavam para brincar, dançar, cantar e guiar a vida; vida que era comum, comunidade: ninguém estava acima de ninguém... caminhavam circularmente.
Os que vieram antes à frente.
Ainda deveria ser assim... mas não nos deixam viver como Pretes que Somos:
...ou nos invisibilizam e apagam...
...ou embranquecemos e nos tornamos um deles.
Os Òrisàs não querem isto... Eles nos dão força e poder para voltarmos a ser Circularidade Eşùistica... do Caos desta sociedade doente e racista que não nos quer vivos, à União de Vidas... que se quer Longa, Próspera (mais que ter riqueza) e com Saúde (mais que ausência de doença).
Ancestralidade tem nome e lugar. O Dr. Duarte Odara, nos traz estes nomes e lugares... saberes da filosofia africana. (Valter Duarte Dutra)
Brasil é país onde vou sendo... se africano me disser, deixo que levem tudo que aqui me construí. Roubam-me o ventre que me gerou.
Lucas Nogueira, aspirante a fotógrafo, escritor e design gráfico. Nascido e criado na Cidade de Camaragibe, RMR do Recife. Estudante de Comunicação Visual na Escola Técnica Miguel Batista. Com trabalhos feitos e inspirados no cotidiano de um jovem periférico.
Awuku Darko Samuel Nascido em 1997, Awuku Darko Samuel é um fotógrafo conceitual de Suhum, Gana. Ele começou a estudar artes visuais quando estava na Nifa Senior High School, onde se formou em 2017. A fotografia conceitual de Awuku é inspirada por sua cultura e as pessoas ao seu redor, além de buscar promover a herança da cultura africana. Ao envolver os jovens locais em suas fotografias, ele pretende mostrar e ensinar a eles que existe uma infinita possibilidade de criação mesmo com recursos limitados.
Luiz Mauro Leonel Ferreira - 68 anos, com muito amor e tesão pela vida... Preto Velho, Coxo e Pobre... sou Pretes. Professor de Filosofia. 32 anos de escola pública. Pós em Comunicação pela Cásper Líbero/SP. ...Caminho, penso, falo e escrevo em "pretuguês" (Lélia Gonzalez). Sou…“ser-no-mundo-lidando-com-as-coisas-e-falando-com-os-outros" (D. M.Critelli/Heidegger) luiz.mauro.lf@gmail.com @luiz.mauro.5095110