por P.R.SCHNEIDER___
JR Korpa |
Pontuo
firmemente a ideia de acreditar em si mesmo e ter a audácia de levar a crença
ao fim de tudo: à morte ou à consciência; contudo não me defendo diante da
sensação estranha de acreditar, apenas crer, sem questionar. Nada além da
ignorância de crer. Não exigindo nada do nada; nem de Deus, nem do universo,
nem das cores, nem do mundo, nem do caos — conhecendo sem ver, tocando sem
realmente tatear, sentindo. Permitindo-me cair inteiramente na vida, sem redes
que me amparem ou nuvens que me sustentem.
Posso colecionar
uma imensidão de coisas ditas em segredo-alma, mas não posso falar dignamente
do que está nítido, óbvio, e quase que completamente, revelado. Quase. Uma
fragmentação estreita entre desacreditar e permitir revelar-se; existe
diferença entre as duas coisas? O ser nunca habita e… Mudamos sempre de lugar;
na procura instintiva por qualquer coisa que possamos dar nome. Rastro sem
poeira. Mistificando o que é inteiro e simples: a luz de um poste, por exemplo,
bate na água empoçada, é refletida nos azulejos e ainda assim é luz.
Fragmentada e diluída em infinitas possibilidades de reflexos-inteiros. Sem
perder sua essência e também função.
Retornando do
trabalho, na madrugada, taciturna, repleta de nadas, eu tento observar qualquer
coisa que me faça manter os olhos abertos — não posso errar o caminho de casa.
As ruas são perigosas para andar sem direção, apesar de eu mesmo andar
distraído. Andar distraído não quer dizer que estou sem rumo, só observo o que
é visceral e, ao mesmo tempo, surreal. Eis então a luz do poste sobre mim,
reinando minha existência sem misericórdia. Exatamente real, iluminando a rua,
recebendo em si a energia que vem dos fios — como veias vivas — garantido um
rumo aos passantes. O poste, eu, a rua e as moscas. Não me referi antes às tais
moscas, mas elas estão lá, fascinadas, disputando a luz comigo, quando chove
todas surgem. Sempre me questionei como elas surgem, se do nada ou do tudo que de
tão imenso é incompreensível e sem fronteiras visíveis. Será que elas também se
perguntam sobre a luz do poste e suas infindáveis formas de iluminar?
Ponho a luz do
poste em discussão, não por um fator divino, mas pela crueza real disso. É uma
luz projetada sobre o chão que faz tudo tomar forma e ainda assim não revela-se
em sua totalidade: não há um fator que provoque a luz. Deve haver mas, isso é
ciência, e não quero falar de ciência, quero a explicação sem lógica. Aquela
explicação fanática. Quero falar do óbvio não explorado.
Ver e não ver,
essa é a fronteira entre luz e escuro. É essa fronteira que o poste rompe. Eu
sou tal fronteira. Sentindo mais a luz na busca por respostas, meu olhar fixo
começa a se perder na claridade incidente. Alguma coisa corta o ar sem direção,
voando sobre mim. Eram mais moscas? Não, eram pássaros. Na verdade, apenas um,
sem qualquer predileção pelo próprio voo, o bicho ficou me olhando do alto dos
fios veias. Ele dominava a dúvida, era poderoso dentro daqueles olhos distantes
e redondos, desses olhos que guardam a noite, olhos-noite. Aquele pássaro sem
espécie — eu não sou ornitólogo — fertilizando minhas dúvidas sobre ele, sobre
a luz do poste, sobre o feixe de vida que escorria no asfalto, uma fenda entre
a realidade e criação. Era eu criatura, ele Tudo e a luz tornou-se ponte e a
cidade vazio. Respiro sozinho minha circunstância limitadamente humana de viver
sempre em dúvida, sempre em busca, sempre em escuro, em hiato, em nada. Só
queria saber um pouco, e desse pouco abreviar a distância entre ser e estar.
P. R. SCHNEIDER: Eu existo. Isso é o suficiente.