por Adriano Espíndola Santos__
Sim, poderia delatar aqui todos os crimes de Rynaldo – e não são poucos. Com a afobação que estou, e se fosse juiz, o colocaria na masmorra, a sete palmos do chão, de onde não pudesse mais sair… (reticências porque fiz uma brusca pausa para respirar). Você não deve se importar comigo, Ryana; este e-mail tem o sentido somente de alertá-la das falcatruas que podem lhe custar muito caro. Se é que tem muito dinheiro e influência, poderia me ajudar, priminha… anyway, sweet darling. Rynaldo, seu irmão, fez a boa comigo e com a Nazaré, a velha ama de leite, que mora em nossa casa desde que o mundo é mundo. Ele, primeiro, chegou morto de feliz; sorrindo de orelha a orelha, dizendo que precisava contar uma história, da qual todos íamos gostar. Ah, antes, fez de Nazaré gato e sapato, botou a pobre para assar dois pães com manteiga e queijo coalho – aquilo come que nem um burro – e para passar um “cafezinho”. Aproveitando-se de nossa falta de malícia, o que ele tem de sobra, relatou que possuía um bom dinheiro para receber; uma bolada que sustentaria “três gerações”, dele e nossas. Mas que, por conta de uma pequena barreira no Banco Central, estava impedido de sacar. Era um crédito a que teríamos direito juntos; no entanto, só ele estaria habilitado a sacar, porque teria trabalhado no Estado, no exército. Fiquei em dúvida, já que ele havia sido expulso por mau comportamento, por ter incentivado um motim e uma revolução no quartel; disso você já sabe, portanto, não devo me alongar. Com uma pilha de documentos na mesa, que espalhou em desordem, justamente para que não conseguíssemos conferir – percebi isso depois –, disse que devíamos assinar três papéis cada; num deles, a bendita procuração. E que eu e Nazaré precisaríamos depositar ou fazer um PIX para a sua conta, uma vez que carecia de dez mil reais – cinco de cada, contando que ele pagaria o seu – para saldar os honorários do advogado, seu amigo, homem de muita confiança – e até mostrou o rosto do sujeito no Facebook, andando em carrões na Europa e Estados Unidos, esbanjando saúde. Confiei, porque, para quem não tem nada, qualquer coisa serve. Ele insistia que seriam mais de vinte milhões para os Devotos do Coração Sagrado – uma instituição que ele havia criado, tendo eu e a Nazaré como sócios, para a “honra e glória do Senhor Jesus”. Das coisas de Deus ninguém dúvida, não é? Caí na real quando notei que ele, um danado, era um desses novos promissores regalados por Deus. Coitada da Nazaré, não tem onde cair morta, mas juntou umas economias e, por incrível que pareça, tinha seis mil reais na conta. Tendo sido mandado embora na leva dos despedimentos da covid, usei o meu dinheiro para pagar o meu e o dela. Foram duas transações, num intervalo de um dia, para a conta do Rynaldo. O final você deve compreender. Já faz três meses que tentamos contato com o larápio. Ele muda de celular como troca de roupa. Quando atendeu, uma única vez, disse que estava arrumando as papeladas; que o advogado já tinha entrado com o processo, e inclusive me deu um número que não existe. Nesse ínterim, foram cinco segundos de alívio, pois pensei que estava fazendo mal juízo do meu priminho. Parece que sou um desgraçado Devoto do Coração Sagrado, abandonado por Deus, vivendo de migalhas e bicos. Não, tenho certeza. Ah, minha prima, se estiver no seu palácio suntuoso, lembre-se de mim; ou dê um jeito no seu irmão… Aliás, deixa isso tudo para lá; posso estar falando com uma cúmplice qualificada. Não sei como você vive aí nos seus States, à custa de quê. Que mundo distópico, my Lord! Paro por aqui.
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(Já para o arquivo morto; vulgo, o diário de um abestado).