por Rafael Silva__
A noiva Baruá, cadáver e viva, vagava pela ponte ainda sob o sol apostando que de dia se veria o que a noite tentava esconder.
Homens passavam por ela e desviavam o olhar de seu rosto roxo sem a coragem habitual de quando encaram e (a)batem uma mulher ainda pulsante, deixando expressar na face uma vergonha ou um desentendimento cínico.
A cara machucada, macerada, pisoteada refletia a covardia que a noiva, por vingança ou reparação, deixava escancarada para romper os tratados do que se insiste em permanecer no sigilo.
Já as mulheres tinham seus segundos de compreensão. Comunicavam-se na telepatia de um olhar que denunciava uma violência compartilhada e que a boca emudecia. Olhavam para a noiva com a compaixão de quem entende o aquilo que dói estampado no seu rosto.
Baruá afrontava os massacres que pairavam em silêncio mórbido naquela cidade dos feminicídios. Todos sabiam quem era aquela noiva cadáver que assombrava a vila naquela hora em que o sol arde mais forte.
Com a fúria dos ventos, avançava sendo atravessada pelas flechas de alguns olhares que lhe desejavam uma morte a mais. Mas avançava e mais adiante, frente a uma platéia de 5 machos rodeando uma mulher, Baruá parou, encarou, ergueu uma rosa tirada de seu buquê e rasgou um canto: "Tenha amor próprio". A palavras saíram vagarosas, cada sílaba excessivamente bem desenhada no ar para deixar entendida a mensagem.
A mulher acuada que cumpria o acordo implícito de nem concordar nem discordar desvencilhou-se dos homens, acolheu a rosa e no mais demorado piscar de olho assentiu, confessou toda dor que coube naquele segundo e suspirou toda a coragem que nunca teve até voltar de novo para dentro da casa cabisbaixa, ferida demais para arriscar. Por um instante, pelo menos, alguém ouviu o grito inaudível de "Socooorro!".
As 5 hienas, vendo apenas maquiagem no que de fato era sangue coagulado, riam e debochavam. Mas é assim não é que se foge das verdades indigestas?
No entanto, ela prosseguia, imparável, espalhando sua mensagem meio codificada, mirando os olhos das vítimas, de agora e de amanhã, denunciando e prevendo mais um assassinato. "Tenha amor próprio". Para as mulheres, tráfico de informações nas entrelinhas. Para os homens, apenas a literalidade ineficaz das palavras.
A noiva Baruá, cadáver, viva, morta e pulsante vagava feito alma nas ruas-pontes, com seu vestido-bandeira-branca, a gritar sem pronunciar:
"PAREM DE NOS MATAR!"
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Texto inspirado na performance artística A noiva vagante da atriz e artista visual paraense Débora Bararuá na 5° residência artística TECNOBARCA.