por Taciana Oliveira___
ILHA
WANDA MONTEIRO
uma nuvem de rios impetuosos enche a boca árida
Tristan Tzara
I
Saltar para outro chão
insular
ancho de tempo
no intento de ser livre
habitar esse espaço
decifrar sua topografia
Lançar-me ao tempo
nas dobras de datas perdidas
num traçado de inexata rota
levar apenas os sentidos
para o cultivo de imagens
imperecíveis
II
Chão insular
céu espelhado
em água circundante
horizonte infindo
III
: ser o corpo espelhado
: a traição do reflexo
: o registro pretérito
na escura câmera do olho: a imagem futura
no milagre do espelho: o silêncio
o não dito
IV
Do vítreo ao visgo
as aparências se avizinham
o que é o céu senão veios
espelhados do pensar
o que é o chão senão o crânio
estilhaçado depois da queda
V
Eu
nesse quando de ilha
deito meu corpo
feito de água
de fibras
e metal
contemplo
o por-do-dia
ao por-da-noite
VI
Circundar esse chão
em busca de alguma verdade
como se fosse a sombra atraente
sentir a sede de luz
: a luz que se expande à visão
como anéis crescendo na água
: a luz que funda a arquitetura dos espelhos
suspensa e flutuante
em movimento contínuo
universal
VII
Ilha: a lexicografia diz daquilo que é isolado
ilha a palavra: aprendi em tenra idade
a primeira escuta diz de ser ilha o muro
: a varanda : o alpendre : a casa feita de paredes
janelas, portas e feita de quintal
o quintal: portal para o céu, para a lua
e para o sol que nunca foi rei e sim rainha
: rainha de luz e fogo – assim dizia a mãe:
mania dos homens de matar o feminino do mundo
de ilha – meu pai dizia de sermos nós
: a carne que nos abarca: a barca: trama de
tecidos: malha de artérias: a serpente:
milhares de metros cúbicos movendo-se
feito boiúna sanguínea nadando – rasgando
devorando o tempo: oroborus
a barca abarca a malha, a trama, o lastro:
oito litros de sangue
oito litros de vícios
oito litros de memória
oito litros de tempo
oito litros de guerra
de mim digo ser essa guerra
eu
ilha dentro da ilha
VIII
Habitar essa ilha de memória
margear o passado
essa terra de vida e morte
parto e porto
buscar os sentidos
partidos ao meio pelo tempo
corrente-leito-de-espera
recusar a morte
do rio que já não é
aceitar a vida
do rio que será
o agora não é chegada
é partida
Taciana Oliveira – Editora das revistas Laudelinas e Mirada e do Selo Editorial Mirada. Cineasta e comunicóloga. Na vitrolinha não cansa de ouvir os versos de Patti Smith: I'm dancing barefoot heading for a spin. Some strange music draws me in…