Anthony Almeida__
– E aí rapaz, como é que tá? Você vem mermo pra Quixadá? Tava aqui pensando se você vinha... Se você vinher, já tem um negócio bom aqui pra você!
– Opa, vou sim!
– Resolva se vem, pra gente se organizar.
– Vou sim, que eu quero conhecer a Galinha e o Açude.
– Mas você vem mermo?
– Vou, rapaz, já tô até vendo as datas e os preços do ônibus.
– Macho, você deveria sair daí de Recife no domingo à noite. Aí dá pra chegar aqui na segunda. Se você sair daí na segunda e chegar na terça, vai perder um bocado de coisa.
– Entendi. Pode ser, sim.
– Então eu sugiro que você faça isso. Sair no domingo à noite, chegar segunda de manhã em Fortaleza, aí vem pra Quixadá. Assim você vai chegar à tarde.
– Oxe, pronto, vou é fazer isso mesmo!
Fiz. Estou aqui no ônibus, no meio da madrugada.
Vou e quero saber o que é esse negócio bom, que Emílio Pontes, meu anfitrião, não disse o que era. Vou e sigo os seus conselhos. Saí domingo de noite, o ônibus já girou por Pernambuco, Paraíba e agora vai pelo Rio Grande do Norte. Vai e eu sinto o cheiro da segunda-feira e a vontade de chegar por lá ainda durante ela, que eu não quero perder um bocado de coisa, ainda que não saiba direito o que são essas coisas.
As placas de beira de pista, brevemente iluminadas pelos faróis do ônibus, mostram que já vou em Nísia Floresta e, daqui, me lembro que o convite para ver Quixadá e ver o Ceará foi aceito rapidinho. "É só falar bora que eu boro". Borei e sei o porquê borei.
A Galinha e o Açude, assim mesmo, com as iniciais maiúsculas, são o bocado de coisa que não quero perder. Emílio que não venha me dizer que a Galinha e o Açude não são o tal negócio bom. Estou viajando 947 km, 19 horas, é para conhecer a Pedra da Galinha Choca e o Açude do Cedro que, na minha cabeça, estão bem pertinho um do outro.
A minha cabeça, não sei desde quando, tem de Quixadá justamente a imagem de um cartão-postal com o Açude e o seu paredão, em primeiro plano, e a Galinha lá atrás, bem bonita. Sentadinha, a Galinha da paisagem-postal sempre me deslumbrou. Ela, rochosa, me faz lembrar das galinhas reais que povoaram minha infância.
Uma delas, a garnisé Maricota, pedrês, pedresinha, foi uma das mais queridas. Quando ela ciscava, suas penas pretas com marquinhas brancas buliçosas me faziam sorrir. Na sua geração, 22 galináceos habitaram o quintal da minha meninice. Num daqueles meses, uma delas gripou e todas griparam também.
Uma galinha teimosa chamada Teimosa, de penas cor de terra, tomou limão espremido no bico. Tomou teimando, mas tomou. Mesmo assim, Teimosa, Mariquinha e muitas outras partiram. Maricota, não. Maricota estava choca, fazia semanas que acolhia seus pintinhos e os ensinava a ciscar e a bulir as peninhas. Maricota resistiu e cuidou deles até que frangassem. Independentes dela, seguiram ciscando. Maricota, de maternidade concluída, descansou.
Vou pra Quixadá para ver a Galinha Choca, vou para fazer da pedra gigante a minha Maricota garnisé.
Nísia Floresta. Novembro, 2022.
Anthony Almeida é geógrafo, professor e cronista. Nasceu em Caruaru/PE e mora em Recife/PE. Pesquisa a Geografia Literária, escreve e estuda a crônica brasileira. É cronista da Revista Mirada, doutorando em Geografia, pela UFPE, e editor adjunto da RUBEM – Revista da Crônica. Contato: anthonypaalmeida@gmail.com