por Augusto Favretto__
Foto: Timon Studler |
Água sem Gás
Estiquei minhas pernas em um velho banco,
no terminal urbano.
Onde vidas se cruzam na velocidade com que
seus sonhos são construídos e desconstruídos.
Jovens andam rápido,
alguns com brilhos nos olhos,
e mochila nas costas.
Velhos andam devagar,
com semblante cansado,
e pouco orgulhosos por cumprirem mais um dia
de sua árdua rotina.
Entre embarques e desembarques
ouço conversas cruzadas que invadem meus ouvidos.
Prova de física amanhã, estou ferrado!
Minha aposentadoria está demorando em chegar!
Será que tenho tempo para um cigarro?
Não suporte mais essa rotina!
Mudo então o banco,
Dessa vez não estico as pernas.
Me sento apoiando os cotovelos nas coxas,
E as mãos sobre a testa,
sempre foi minha defesa natural contra contatos humanos.
Percebo então companhia.
Amigo, serei breve, preciso beber, pode me ajudar com alguns trocados?
De quanto você precisa?
O suficiente para esquecer realmente quem sou.
Não sei se tenho tudo isso no bolso,
que tal 8 reais?
Agradeço, e que Deus lhe dê em dobro!
Espere amigo, pode repetir?
Que Deus lhe dê em dobro!
Você pode pedir a ele que me dê em dobro
o suficiente para também esquecer quem realmente sou?
Olha amigo, acho que também precisa de uma bebida.
Acompanho então aquele homem,
com passos rápidos ele entra em um dos bares
do terminal urbano.
Bares que abrigam toda a beleza da existência humana,
todos quem sabe,
no final do dia bebendo para esquecerem quem são.
Tomo coragem e adentro ao mesmo bar.
Fala chefe, o que será para você hoje?
Uma água sem gás, pois sou medroso demais para
sentar-me com esses homens e discutir assuntos simples,
simplificar a complexidade da vida e quem sabe esquecer quem sou!
Perdão, não entendi.
Apenas uma água sem gás por favor.
Do que você tem tanto medo?
Ontem ela me olhou,
diferente de outras vezes,
um olhar um tanto quanto piedoso,
aqueles olhares que não julgam, só tentam de alguma forma confortar.
Me pediu um abraço,
sentou-se ao meu lado e perguntou.
De que você tem tanto medo?
Não pude responder,
não sabia o que responder,
não quero responder!
Continuo com o olhar fixo na televisão, com o canto dos olhos tento fazer uma leitura de sua expressão,
não quero a ver triste,
sei que ela tem feito tanto por nós a tanto tempo.
Levanto-me do sofá,
caminho até a cozinha e pego um copo d'água,
quem sabe ajude lubrificar minhas cordas vocais e alguma resposta possa sair de minha boca.
Quer um copo d'água?
Não.
Onde está a nenê?
Está dormindo a mais de 20 min.
Caminho lentamente até o quarto para não a acordar,
deito-me ao seu lado, na pequena cama de solteiro,
quase colo meu rosto ao dela,
fico por alguns minutos simplesmente a olhando e sentindo sua respiração tocando meu rosto.
E isso é tão bom!
Por algum momento penso em tentar adormecer ali ao seu lado,
mas o calor da noite não a deixaria descansar,
e já sei como é o seu humor no dia seguinte após uma noite mal dormida!
Ao levantar corro meus olhos pela sala,
mas não a vejo.
Sento-me no sofá com as luzes apagadas,
espero mais alguns minutos,
então me dirijo até nosso quarto, onde a observo dormir.
Então me aproximo e cochicho a ela.
Sinto medo de que a vida seja curta demais e que eu não possa aproveitar todo amor que sinto por vocês.
Volto até a cozinha,
pego mais um copo d'água,
deito-me no sofá e acordo na manhã seguinte.
Com a certeza que desperdicei mais uma oportunidade de aproveitar todo o amor que sinto por elas.