Anthony Almeida___
Amanhece no Cerrado mineiro. Abro os olhos da noite dormida no banco do ônibus, estalo o pescoço e o Cerrado entra pela janela. É uma enchente de luz e beleza. A mata retorcida, pintada de dourado pelo sol amanhecente, estoura na minha cara admirada. O Cerrado é lindo. É lindo e certifica-se de se mostrar ainda mais bonito quando os ipês roxos despontam no meio dos arbustos amarelos.
O Cerrado é mesmo feito das descrições que ouvi sobre ele: árvores retorcidas e arbustos, só que mais fascinante. Não ouvi nada sobre essa luz dourada que inunda tudo. Nem dessas duas juritis que voejam singelas. Nem das roupas que balançam no varal de uma casinha no fim de um caminho. Dessa estradinha de terra, dois homens caminham devagar. Lá atrás, de onde eles vêm, a casa simples é desenhada de verde claro. Suas portas e janelas, de madeira, também são verdes, só que mais escuras.
Entre os arbustos e os ipês, crescem mais casas e capinzais louros. O sol laranja enfeita tudo. Embora eu não tenha certeza, as palmeiras que vestem o fundo da paisagem devem ser buritis. Com um pouco mais de certeza, diante das casas que aumentam na vizinhança da pista, e do nosso ônibus, presumo que terei acesso à rede telefônica. Consulto um mapa no celular e, diante da revelação, perco as dúvidas.
Estamos na BR-365, rasgamos Minas entre os municípios de Buritizeiro e Pirapora.
"Sou caipira, Pirapora
Nossa Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura
E funda o trem da minha vida"
Canto a canção com um sorriso por companheiro, iluminado. Fico ainda mais deslumbrado com a oportunidade de ver Cerrado e Rio São Francisco juntos. É o Rio São Francisco que separa Buritizeiro de Pirapora. Verei os dois, que lindeza. Que lindeza!
Quando começamos a cruzar a ponte, além da imponência das águas, há uma simplicidade de duas galinhas, que ciscam alegremente numa das margens do rio. Invejo essas galinhas.
Invejo uma inveja vã e leve, queria eu também ciscar alegremente na beira do São Francisco. E, se eu fizesse lar por aqui, teria nas veredas para a minha casinha um ipê roxo e um buritizeiro. E, no oitão dela, eu plantaria um cajueiro.
Buritizeiro/MG – Pirapora/MG. Agosto, 2022.
Anthony Almeida é geógrafo, professor e cronista. Nasceu em Caruaru/PE e mora no Recife/PE. Pesquisa a Geografia Literária, escreve e estuda a crônica brasileira. É cronista da Revista Mirada, doutorando em Geografia, pela UFPE, e editor adjunto da RUBEM – Revista da Crônica. Contato: anthonypaalmeida@gmail.com