Cinco poemas de Bernardo Almeida

 por  Bernardo Almeida__





I

 

Quantas almas em revoada

Na escalada sem tino ou prumo

Ao cimo desconhecido da alvorada

 

Rediviva frustração iluminada

Na recomposição do ocaso

Na dissimulação do caos

 

Mas não há fronteiras na eternidade

Nem picos na solidão do infinito

Inconsciência a quedar nos cantos aflitos

Pulverizando a ilusão na razão da humanidade

 

Fúlgido conflito a derramar saudade

No contraturno da esperança

 

A morte nos alcança

Festa e dança

Nem todos querem viver

 


Remoto

 

O som do mar

     a ricochetear

  nas fronteiras

            invisíveis

da inóspita imensidão

 

Chão em desintegração

      queda, apupo, alienação

 

E o oceano, em derrisão,

impassível - a compor

a canção da criação

do infinito

 

Íntima transformação

no ínfimo átimo universal

 

 

II

 

Estranhos eram

Até que fizeram

Sexo e dois filhos

 

Desconhecidos

Viram familiares

Até que acordam

Arrependidos

 

Entreolham-se

Ofendidos

Cenho franzido

 

E partem separados

Sempre enganados

Um de cada lado

 

Retornados estranhos

Como outrora foram

Um para o outro

 

Par dissonante

Pai e mãe

Dos desconhecidos

Que produziram

 

 

Autópsia

 

Caminhamos com os mortos, enquanto expiramos

Esperamos a eternidade e perecemos nos torvelinhos dos anos

Que fogem ao que vivemos, como se eternos fôssemos

Falhamos e nos entretemos, tão logo o erro se faz efêmero

Fosse um raro verso fúlgido a crepitar na órbita do sol

Desalojaríamos o futuro, sem compreender o fulcro das eras

Não sem danos, escalamos a escarpa do astro venerando

Íngreme soluço da inexatidão a vociferar crueldades

Aspergindo, anonimamente, generosidades

Nos maremotos dos ânimos, nas veredas da incompletude

 

 

 

150 megatons

 

Eu era forte quando negligente

negava a influência indolente

do tempo sobre a existência

era ventania, braço cortado

apartado do corpo

a remar contra a maré

era bravio e independente

perene, inteiro, transversal

eu insurgia e contemplava

não queria ser aceito ou acolhido

eu evitava ser especial

o mais lembrado, o escolhido

eu não queria nada de menos ou de mais

tinham-me como indiferente

eu não era nada além de livre

e esse pouco que eu tive

era o infinito que me bastava

estava só – e não tinha consciência

do que era a solidão

a tristeza não passava de um condão retórico

sobre um ponto de vista cadavérico

no deserto estratosférico da multidão





Bernardo Almeida nasceu em Salvador (Bahia), em 1981. É poeta, jornalista, artista digital, roteirista e compositor. Participou de dezenas de coletâneas literárias. Publicou os livros: Achados e Perdidos (poesia/2005), Crimes Noturnos (poesia/2006 e 2018), Enquanto espero o amanhã passar (poesia/2009), Sem um país para chamar de pátria, sem um lugar para chamar de lar (poesia/2009), LONA (poesia/2011), O vencedor está morto (contos/2013), Arresto (poesia/2016), que também foi editado em Paris (2018), e A utopia do carnaval sem fim (poesia/2020). O autor tem textos traduzidos e publicados na Europa, sobretudo na França e na Croácia.