por Anthony Almeida__
Minas Gerais escura, de noite desde que cruzamos o Rio Grande, me é um breu incógnito. Olho da janela do ônibus e me deparo com o desconhecido, encoberto pela escuridão.
É a primeira vez que passo por Minas. Esse passo é no sentido de cruzar com os pés no chão, ou pelo menos no piso de um ônibus, que logo mais irá estacionar para que os passageiros jantemos. Comida, bebida e fumaça de cigarro, o jantar muda conforme o passageiro. A primeira vez que comemos foi em São Paulo, a última será de acordo com o destino de cada um. Minha última refeição da viagem será em Caruaru, será em Pernambuco, e a mesma guloseima será, também, a primeira do meu retorno.
Agora, entretanto, eu queria estar comendo Minas Gerais pela janela. Toda vez em que saí do Nordeste para São Paulo foi de avião. O que vi do céu foram nuvens e campos, um rio marrom, talvez o Rio Doce, já poluído pelos rejeitos de minério de ferro do estouro daquela barragem de mineração. Vi, ainda, algumas cidades não identificáveis sem a ajuda de um mapa. Vi, com certeza, a capital mineira, Belo Horizonte, em sua imensidão. Identifiquei o retângulo verde do estádio do América Mineiro. E só. Aliás, não só. Nas conexões dos voos, pousamos em Confins.
A cidade miúda, vizinha à capital, abriga o aeroporto metropolitano. É, pois, em Confins que pousa quem chega de avião a Belo Horizonte. Sempre que cheguei, foi para trocar de voo. Decolei logo em seguida, às vezes não tão logo assim. Lembro, agora, que a minha primeira viagem de avião da vida teve o Aeroporto de Confins como protagonista de um medo.
Recife/PE – Guarulhos/SP, com escala em Confins/MG. Dali eu pegaria o ônibus para o oeste paulista, onde morei por sete anos e de onde agora emigro em retorno a Pernambuco. Quando o avião começou a pousar, o comandante comunicou aos senhores passageiros que iríamos arremeter, devido a presença de outro avião na pista de Confins. O atraso daquele outro avião despertou uma aflição geral entre os senhores, senhoras, meninos e meninas passageiras.
Pensei comigo, é justamente depois das arremetidas que os aviões caem. Para completar a turbulência, a trajetória do contorno que a nossa aeronave faria, para só então retomar o pouso, passaria por nuvens escuras, de onde víamos raios e relâmpagos saindo com certa gravidade. E eu nem tinha um braço de mulher, ou mesmo de um homem, de gravata e bigode, para me agarrar e diminuir o medo.
Essa história de avião, que se mete de enxerida na minha viagem de ônibus, é a viagem que viajo com a memória. Quando não se há o que ver, as lembranças são o nosso refúgio.
Eu queria ver Minas, ver um campinho de futebol de beira de pista, com meninos correndo atrás da bola, uns sem camiseta, outros com o uniforme do América ou do Atlético, já desgastado pelo tempo; ver uma menina voando num balanço, atado à uma mangueira grande, ou numa árvore do Cerrado – que a menina tivesse uma janelinha na boca, a ausência de um dente de leite, seria agradável.
Eu queria ver o Cerrado mineiro, que não sei como é. Meu Cerrado é imaginado, pouco extenso e profundo. Sei pouco do Cerrado, sei dele das aulas de Geografia. Sei que não há geleiras no Cerrado... Queria ver um pé de pequi.
A viagem será longa, amanhã ainda estaremos em Minas. Aí eu verei o meu Cerrado. Ah, sim, o avião de Confins cruzou a tempestade, pousou em segurança, aplaudimos piloto, copiloto e a tripulação inteira.
Sobrevivi e amanhã verei o meu Cerrado.
Delta/MG. Agosto, 2022.
Anthony Almeida é geógrafo, professor e cronista. Nasceu em Caruaru/PE e mora no Recife/PE. Pesquisa a Geografia Literária, escreve e estuda a crônica brasileira. É cronista da Revista Mirada, doutorando em Geografia, pela UFPE, e editor adjunto da RUBEM – Revista da Crônica. Contato: anthonypaalmeida@gmail.com