por Anansi Owère__
Acordei pela manhã e sai na rua sem saber da novidade. Uma mulher negra veio correndo em minha direção, me abraçou e perguntou: “você sabe o que aconteceu?”, meio abobalhada com a surpresa do abraço, respondi com um tímido “não”. “Ele disse que de hoje não passa, está decretada a prática efetiva do amor”. Depois de dizer, correu na direção de outra pessoa como se fosse a arauto do amor, espalhando a boa nova por onde passava.
Olhei ao redor e percebi que fora decretado o amor não só como “pensamentos românticos e ideias do mais intenso gostar”, mas como a efetivação de nossos anseios amorosos, como se fôssemos amantes de fé e prática. Pensem que, por um momento, o amor passou do plano do sentimento piegas e se concretizou em prática, virando uma política de estado. Peguei o celular e estava lá na seção de “últimas notícias”: “O presidente acaba de assinar uma lei que determina que todas/os brasileiras/os devem amar. A lei entra em vigor imediatamente e todas as regiões (bem como seus respectivos estados e cidades) do Brasil devem colocar o amor em prática”.
Daquele dia em diante, o amor se tornou o mais real imperativo categórico. A partir daquele momento, vivíamos a práxis do amor, que se estende para além do desejo de amar, efetivando-se na materialidade da vida, no contato real com o outro, com a outra. Amor não mais como sentimento, mas como ação. A partir de então, o amor é o que o amor faz. Viveríamos, dali então, como amantes. Além de brasileiras e brasileiros, seríamos conhecidas/os como aquelas e aqueles que amam.
Exageradamente, o presidente decretou que, sendo o amor a nossa principalmente prioridade, “far-se-á imediatamente o ministério do amor”. Instituíra, então, uma ministra do amor. Mulher preta, periférica, amante naturalizada, discípula de bell hooks, pedagoga engajada — o currículo perfeito para ocupar tão nobre cargo. Recusando-se a ir à Brasília, a ministra do amor começaria suas atividades diretamente de Mucuripe, seu epicentro do amor fortalezense. Em tom solene e devidamente amoroso, declarou que “de hoje em diante, companheiras e companheiros, sentiremos muito e profundamente, de modo que esse sentimento transborde e alcance cada ser no nosso país. Amaremos efetivamente, pois o amor é o que o amor faz. Amadores de todo Brasil, uni-vos!”.
Na efetivação de nossos sonhos transgressores, víamos práticas de (auto) cuidado em cada viela da cidade; organicamente as comunidades foram sendo construídas, era visível o companheirismo, a empatia umas pelos outras; havia respeito e confiança em cada lar. Saia nos jornais que a prática do amor aumentava exponencialmente em todo o país, vivíamos como amadoras — na excelência de seu significado: aquelas e aqueles que amam.
É abundante, é intenso, é real… é o amor.