por Camilla Loreta__
Capítulo 1 — Lago escuro, escavações do esquecimento, os amantes da Lua
Acontece de uma pequena cobra se alinhar na coluna vertebral daqueles que aceitam.
Se você fosse contar sua história, será que assumindo um papel distante a recepção mudaria? Ao se separar dela, simular a falta de tensão, uma espécie de fenda em que quem ouve se entrega de imediato, sendo pego de surpresa na confusão das narrativas, como uma cobra sinuosa que se projeta na água sem sabermos se é matéria ou reflexo.
O quarto de Léia. Ela dorme no colchão apoiado em tábuas de madeira. Lá fora, imóveis, pinheiros altos, macieiras baixas e gramíneas se espalhavam pelo quintal do vizinho. Ainda não dormia tão bem à noite, e acabou caindo no sono depois do almoço. Antes de dormir olhava a paisagem interna. O quarto ainda estava repleto de caixas, as paredes nuas, apenas uma fotografia pendurada com fita adesiva. Era uma imagem antiga de uma montanha ao sul da Polônia chamada Morskie Oko. A foto de uma foto tirada tempos atrás, quando Léia era criança.
Ela estava deitada de barriga para cima, os cabelos enrolados soltos pelo travesseiro. Suas pálpebras se mexiam, os dedos manifestavam pequenas contrações, como quem olha alguma coisa, toca também, e sua respiração aos poucos foi aumentando, e uma pulsação em seu peito cresceu, a pele de seu rosto tornou-se levemente rosada.
Ela acordou de susto. Um tanto perdida com o modo repentino em que voltou ao mundo consciente, olhou para o teto fechando os olhos de vez em quando, como para espantar a sensação de que não estava totalmente acordada. Em seu sonho havia uma cobra verde e preta, estava escuro, uma mulher comandava forças no espaço infinito. Seus pés e mãos ferviam. Apurou os ouvidos, alguma das janelas estava semiaberta, e conseguia sentir um tremor suave do corpo, o vento ausente lhe causava arrepio.
A cama
Eu tinha um sonho recorrente quando criança, que foi evoluindo e mudando de forma conforme eu crescia. Começava sempre com uma cama, sozinha, no centro de um quarto, sempre à meia-luz. Me aproximava da cama, deitava, e era a melhor cama do mundo. Ia adormecendo dentro do sonho, sentindo que o corpo cedia ao colchão, de repente o colchão sumia. Eu continuava deitada no estrado, mas não achava posição para ficar ali. Quando criança sempre arranjava um jeito de acordar, e logo dormia novamente.
Porém, quando me mudei para a Polônia, não conseguia mais acordar, me mantinha deitada no estrado. Com o tempo, no sonho, encontrava boas posições para ficar equilibrada, mas logo meus ossos começavam a doer, e eu tinha que mudar de posição, sem nunca conseguir adormecer dentro do sonho. Acordava cansada, com muita dor no corpo.
Foi em São Petersburgo que tive esse sonho repetido pela primeira vez naquele ano.
Era como sempre, deitada na cama, o colchão desaparecia, e ficava muito tempo tentando encontrar uma posição no estrado para descansar. A madeira aos poucos se tornava macia e possível de se ajeitar, até que começava a sentir um osso doendo ou um músculo dando fisgadas. Às vezes podia encontrar uma maneira de ficar deitada que massageasse um ponto, o que tornava a posição mais agradável, mas logo isso começava a doer demais, e tinha a sensação de que estavam se formando grandes vergões roxos na pele.
Eu tentava me equilibrar bem, para pegar no sono e não me mover, com medo de cair no chão de repente. E logo meu quadril cedia, e minha virilha estalava de tensão.
O que me levou a acordar eu não sei, mas sim que a cabeça ficou demasiadamente pesada, e o sol agora batia diretamente no me rosto. A mandíbula tensa, quase solidificada. Abri a boca aos poucos, e ouvi tudo estalar. Os olhos estavam sensíveis. Tive medo de olhar para o lado e descobrir que de fato estava deitada no estrado, mas a sensação das costas era de que estava em um colchão.
Capítulo 8 — A estrada e o eterno retorno
Às vezes, parada em uma sala com muita gente, fico me perguntando se existe mais alguém ali que gosta tanto do silêncio como eu. Não falo de qualquer tipo dele, não penso somente em pessoas que se incomodam com ruídos. É o silêncio de dentro. Quando suas vozes internas simplesmente param de manifestar as diversas camadas de significados complexos e encadeados. O único momento em que percebo que isso acontece comigo é quando observo os outros. Minha atividade favorita é sentar em qualquer lugar em que irá passar muita gente. É como se eu atingisse uma frequência ao reconhecer infinitas personalidades, sei que nenhuma delas será igual a outra.
Meu Pai me contou que quando era criança eu raramente falava, mas gostava muito de ir a eventos sociais com ele e minha Mãe. Ela sempre tinha esse tipo de compromisso, por ser colunista de um jornal carioca.
Gostava de segurar na mão dela, atravessando corredores e salas cheias de pessoas que perguntavam o meu nome. Quando isso acontecia, minha Mãe falava:
— Ela é muito caipira, não liga, não... Se chama Léia — e passava sua mão quente pela minha cabeça.