por Valdocir Trevisan__
A famosa frase do personagem de Tom Hawks no filme
"O Resgate do Soldado Ryan" fulminou meu âmago. Desde a primeira vez que assisti ao filme, nunca mais esqueci o
“faça valer a pena".
Nos dias nebulosos ou tristes (como o de domingo em
Brasília), lembro do esforço coletivo para encontrar e avisar ao último dos Ryans
do seu dever em valorizar não apenas o combate físico, mas principalmente o existencial.
Deixar nosso nome endossado no táxi terreno... Antes
do táxi lunar...
Lá vou eu então recordar as palavras de Dostoiévski
quando exilado na Sibéria, não tem jeito. Na prisão ele conheceu Akim Akímitch,
um prisioneiro que nunca decidiu nada na vida e na única vez que fez isso,
assassinou um homem que havia roubado seu amor. O dinheiro falou mais alto para
a pretendente que preferiu um rico relojoeiro.
Que paradoxo! Mas não é dessa violência que falo. Meu
"valer a pena" se refere a outras esferas. Quero o algo superior, o reconhecimento de
cada um, do maior ao menor sem a arrogância do maior e sem menosprezo ao menor.
Deus alimentou todos com seus devidos talentos,
alguns com cinco, outros com três e outros com um só. Imagine você ou eu com dois
talentos.
Para fazer valer a pena não tenha inveja daquele
que tem cinco talentos e nem humilhe o outro com apenas um.
É isso, apenas isso...
Pode parecer injusto, mas quem sou para questionar
"Ele"?
Se penso no “valer a pena” nos momentos críticos, o
mesmo deve ser aplicado na boa fase. Agradecer o bem-estar e trocar o jargão popular
de “lá se foi mais um ano" por "chegou um Novo Ano".
Parece pouco, mas a semântica reflete nosso
espírito.
Faça valer a pena. Hoje.
Já dizia o mestre Raul Seixas: "você tem dois
pés para cruzar a ponte "... Vai, tente outra vez.
Lembrar dos que partiram no último ano: meu irmão
Volmar, Gal, Erasmo, Boldrin...
Pessoas que ficam vivas em nossas almas.
Faça valer a pena.
Não imite Scrooge, o velho rabugento, nem alimente
os seus fantasmas. O avarento que viveu somente pelo dinheiro e quando reviu à
vida percebeu os engodos da sua mediocridade.
Não adianta, o tempo é uma trapaça.
Como declarou Eric Hobsbawm, somos observadores
participantes das eras dos extremos. Que belo conceito do historiador inglês:
"observadores participantes". Nosso cotidiano viajando diante dos
nossos olhos.
Façamos valer a pena em "nosso tempo".
Ora, homem de Deus, acorde, ainda é tempo, isso
tudo acontecendo e eu aqui dando milho aos pombos. Zé Geraldo gritava: está
vendo aquela igreja moço, eu ajudei a construir, está vendo aquela casa...eu
também estive lá...
Sejamos mais do que observadores participantes.
Mateus (MT 17, 12-14) já afirmava: se temos cem
ovelhas e uma se perdeu, vamos resgatá-la... Assim como o último Ryan.
Lima Barreto arremata que o tempo é inflexível, mas
a ambição não mata...Não é mesmo?
Valdocir Trevisan é gaúcho, gremista e jornalista. Autor do livro de crônicas Violências Culturais (Editora Memorabilia, 2022) Para acessar seu blog: clica aqui