Ignot | P. R. Schneider

por P. R. Schneider__


Ilustração: JR Korpa


Hoje enquanto caminhava na rua. Ruidosa rua. Descobri a mensagem escondida numa estante, no sebo, velho. Era algo totalmente novo e completamente alheio, sem qualquer compromisso com o pulsar alucinado da cidade ao redor. Uma centelha de tempo-cidade-coisa, uma mistura constrangedora de tantas coisas que me reduziu a uma coisa-nada; a soberana do desconhecido. O dia por si só, estava quente, é costume nas ruas – que rugem – do centro, o calor ser a única coisa capaz de nos reanimar. Fazermo-nos lembrar da vida, uma ressurreição mortífera. Cada centímetro dessas calçadas conhece sua própria história, enquanto coisa-viva; quantas gotas de chuva nelas caíram, quantos passos distanciando-se uns dos outros, cada luz de sol derretendo um sorvete qualquer perdido pelas mãos pequenas de uma criança distraída... Existe vida nas coisas mortas, estátuas cinzas à espreita do agora. O instante absoluto. 


Narrando ainda minha incrível descoberta de um sarcófago estranho, repleto de letras vivas, fui cheio de sede a uma fonte rasa. Havia ali, na poeira grossa de tempo daquele livro-vivo, uma verdade gritando, orando na sua própria reza eternamente, até que fosse enfim, encontrada. Um segredo para ser gritado. Ousei olhar mais de perto o sacrário do indefinido, o habitat mais introspectivo e ao mesmo tempo sedutor. Um quasar, repleto de tudo e rodeado do nada-vastidão. Silêncio. Dedilhei o tempo, peguei nas veias da história, e mapeei de maneira amadora minha consciência ainda não despertada. Eu só sabia que aquela coisa-viva era minha por direito, o tempo havia arranjado este encontro. Li, reli, tornei a ler mas não o comprei. Aquela coisa não devia ser comprada, estava além do possuir – ou da ideia de ter. O livro-vivo ou coisa-viva, permaneceu lá. Intocado pelo mistério que o guarda. Não entendi nada do que me disse, escutei, digo, li. Muitos casos de amor não vividos, mistérios não revelados, vontades não saciadas, choros não represados, coisas não coisadas e assim, segue-se o mundo em completo suspense. Em profundidades escuras, revelando-se no breu. 


Fortaleza seguia quente, eu cansado de passar no mesmo sebo buscando a mesma coisa e ainda achando tudo exageradamente novo, sem me importar com o tempo dos trabalhos por fazer lá fora, tornou-se – leia-se: tornei-me – obsessão. O livro em seu aposento, no seu castelo de sabedoria. Eu o lia como quem tenta reconhecer o futuro, mas fatalmente eu não compreendia, e terminava morto em busca de um fantasma que na verdade era o eu que no mesmo lugar ontem estivera. As estantes sempre mudas. Como Deus em seu paraíso particular. O livro gritando no seu silêncio-vivo. Toda sexta-feira eu lutava para não descer do ônibus, dar meia volta e novamente me prender no transe. Cheguei à circunstância de habitar conscientemente num êxtase, perdido, rendido, prostrado diante do desconhecido. Em adoração perpétua da coisa-viva. 


[Inacabado]

Revisão e editoria: Regina Bertoldo





P. R. Schneider - Eu existo. Isso é o suficiente.