Zona de perigo – limítrofe, um conto de Adriano Espíndola Santos

 por Adriano Espíndola Santos__


JR Korpa




Sávio delatou tudo num suspiro, e passou mais dois minutos calado ao telefone, na última vez em que nos falamos. Era sábado, dia em que costumo não ligar, mas tive um pressentimento sobrenatural. Acordei com um aperto no coração. Não consegui sequer tomar o café, depois do banho. Enrolei-me com a toalha e peguei o celular. Por que não falava com ele aos sábados, especialmente pela manhã? Porque ele pedia que não atrapalhasse seu cochilo sossegado de fim de semana; como trabalhava muito nos dias úteis, preferia dormir a sair, curtir uma praia, ou algo do tipo. De dois anos para cá, o isolamento piorou. O motivo? Pandemia, primeiro ponto; e porque queria, por tudo, mudar de profissão, e não tinha coragem de, supostamente, perder a renda que lhe dava “qualidade de vida”. Dizia-me que era uma bola de neve: morar num bairro bom, perto do trabalho, com a facilidade de ter tudo ali, supermercado, cinema, farmácias e médicos – sim, a sua predileção –, exigiam, por mês, uma bagatela de cinco mil reais livres, sendo mil reais somente para a taxa de condomínio. Inclusive, ofereci um quarto no meu apartamento, para que ele ficasse o tempo que quisesse, mas teria de arcar com a metade dos custos. [Um adendo: trabalhei com ele, durante cinco anos, e foi aí que fizemos amizade]. Ele recusou a morada porque ficava “muito distante” dos seus compromissos. Além da depressão, Sávio tem um grande defeito: o comodismo, que não o empurra para frente. Contudo, jamais seria capaz de revelar essa condição; bem provável haver um rompimento, pois eu não estaria ligando para os seus problemas, ninguém o entendia, etc. e tal. Acima de tudo, Sávio tem o coração mais puro do universo. Em 2009, quando eu passava o meu pior pesadelo, com as dívidas de um empréstimo que fiz para pagar as contas, que só acumulavam, foi ele quem me emprestou o dinheiro para quitar. Somente em 2012 pude devolver tudo, corrigido – porque eu quis; por ele, receberia o principal, e pronto. Sávio não me cobrou uma vez sequer. Quando a minha mãe faleceu, ele ficou todo o tempo ao meu lado, por um mês. Quando separei do Ricardo, também. Enfim, são mil e um momentos que passamos juntos. Ele é como um irmão para mim. Juro que estava bolando um plano para ele sair da empresa. Precisava, como me relatava, de alguma segurança, de um emprego certo, em que deixasse aquele e mudasse logo para o outro. E imagino que ele entrou numa espiral paranoica, o que o fez desacreditar e desanimar. Já havia pedido a todos os santos da minha confiança que me dessem uma luz, ou que fizessem o mesmo para Sávio. Nada de novo nos ocorria. Eu estava, igualmente, entrando em parafuso. Sávio poderia ficar inválido como previa? O que me tornava mais responsável a essa história é que ele havia perdido a mãe muito jovem e, por isso, o pai se juntou com outra e o deixou na porta da avó materna, que já tinha duas crianças para cuidar – primos dele. Tenho orgulho do meu amigo. Sei que ele é imenso e merece toda a sorte do mundo. Dois dias após aquele contato, resolvi chamá-lo para um almoço na terça. Ele me disse que, apesar da falta de ânimo e de fome, queria – necessitava – se encontrar comigo. A terça parecia a data mais especial da minha vida, como antigamente foi o meu finado casamento. Havia traçado alguns planos para nós. Aproveitando a sua habilidade para a escrita, sugeriria que ele escrevesse três livros para autopublicação, sobre as suas experiências de ter morado no Canadá e na Suécia, quando ganhou bolsas de estudo; poderia ser: “Como viajar com pouco dinheiro”, “Como descobrir a vida”, coisas do gênero – por mais que ele achasse “cafona”, iria dizer. De quebra, a sua vivência ajudaria muita gente perdida. A ideia mesmo, porém, era passar um período sabático longe, numa excursão pela América Latina, por exemplo, e, assim, resolvermos os nossos dilemas. Sim, tenho meus problemas com o trabalho, mas não se comparam ao drama de Sávio; sou freelancer e me viro com o que dá, apesar de o Ricardo ter me deixado na merda, sem um puto. Vou ensiná-lo a viver sem se preocupar tanto com o amanhã. Na verdade, confesso que é egoísta da minha parte querer Sávio por perto, porque preciso dele, de sua alma e de seu calor. Podemos ser felizes do nosso jeito. Quem sabe ultrapassaremos a zona de perigo e seremos mais, muito mais que grandes amigos?! Não posso perdê-lo, definitivamente. Eu o amo mais que a mim. Ele irá saber!






Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. instagram:@adrianoespindolasantos | Facebook:adriano.espindola.3 email: adrianoespindolasantos@gmail.com