por Adriano Espíndola Santos__
Foto: Fora do Eixo
Todos os anos em que fui filho pequeno, era carregado pelos meus pais. Nos carnavais não podia ser diferente. Em meados de 1993, papai comprou um apartamento na praia do Icaraí, super e absurdamente frequentada pela nata carnavalesca da região. Eram pouquíssimos os que tinham apartamento ou casa para veraneio, portanto juntavam sempre duas ou três famílias no nosso exíguo lugar. Imagine isso em período de Carnaval. Só havia dois quartos, sendo o dos filhos o menor. Nele, infiltravam-se às vezes até seres indesejados, com quem mantinha certa distância, por desconfiança ou porque havíamos tido rusgas infantis. Pois no bendito Carnaval de 1996 – e você deve se perguntar como gravei esta data; a questão é que a música sucesso na época era o “Melô do Tchaco”, e essa memória bizarra ainda é presente – papai resolveu chamar para o nosso refúgio um casal de amigos, com seus dois filhos. Não me lembro exatamente onde os pais dos amiguinhos ficaram, mas dormíamos quatro, eu, meu irmão e os dois pirralhos, no nosso quarto. Claro, fomos obrigados a ceder a cama beliche para os convidados – dormimos em redes de nylon, uma modinha prática, mas quente como o diabo. Foi aí que começou o ranço. Para começar, eu não queria ir à praia, em razão de um imenso trauma de sol. Meus pais, na ânsia de curtirem a aura praieira, quase sempre se esqueciam de reforçar a proteção solar na minha pele – e de meu irmão. Sofri várias insolações, com febres altíssimas, simplesmente porque passávamos o dia na piscina, avulsos; estávamos supostamente protegidos pelas paredes do destino. Nesse Carnaval, para completar, papai estava mais esfuziante que o normal. Com o tempo, percebi que minha mãe, ao contrário dele, estava em ares de explodir. Papai saía cedo com o colega, e ela ficava com a amiga nos preparos das refeições; em muitos casos, meu pai não dava a mínima; dizia que já tinha almoçado; que era momento para badalar e não para responsabilidades. Ele se transformava em um monstro carnavalesco, essa é a verdade. Se o vi cinco ou seis vezes, durante os cinco dias, foi muito. Mamãe pouco saía do apartamento, lamuriando-se para a amiga, ou no quarto deitada, estafada. Aí que, em um desses dias, meu pai chegou sem a aliança; e o amigo já estava em casa, acarinhando a mulherzinha. Fechou-se o tempo. Ele disse, bêbado, que entrou no mar e a onda levou o “inútil” objeto – ele virou um ferrenho agressor das tradições. Quis convencer a minha mãezinha de que não precisavam desse formalismo; os tempos eram outros; “o amor é que vale”. À noite, um dos pestinhas se arrebentou num brinquedo, no parquinho, quebrando um braço. Saíram às pressas, os pais e o irmão, para o pronto-socorro mais próximo, ou seja, em Fortaleza. Fim da farra para eles. Alegria para os pequenos de casa. Mas a noite, enfim, teria de ser traumática: meu pai, um homem de quarenta e cinco anos, rebelou-se contra todos, ganhou o buraco negro do mundo, e nos deixou sós. Minha mãe chorava uma imensidão. Foi o jeito pedir ao meu tio, que veio de surpresa nos visitar, para, depois de um banho, nos levar para casa. Voltei no carro chorando o sumiço do meu pai, enquanto minha mãe, também chorosa, pedia para eu me acalmar. É isso. A fadiga do Carnaval vem dessa e de tantas hipóteses furadas, em que o desgosto, a dor e a ressaca moral estão impregnados.