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"Cegueiras na Calçada" é um romance que narra a história de Adélia, uma mulher de 83 anos e "uns bons meses", residente em um bairro periférico de uma grande cidade - que pode representar diversas cidades do Brasil afora. A história se passa em um único dia, o aniversário de morte de Antônio, marido de Adélia e seu dependente de cuidados durante dois anos, devido à doença de Alzheimer. Nesse fatídico dia para Adélia, ela relembra - em narração que mescla narradora e protagonista - passagens da sua vida de "cega", de invisibilidades, de conformações e inércias. Entre violências, pobreza e sentimento, o livro nos apresenta, capítulo a capítulo, uma memória, de forma a compor um diário falado por Adélia.
A ideia de "Cegueiras na Calçada" nasce de um encontro entre mim e a Adélia real que inspira a Adélia protagonista. Estava no primeiro ano da faculdade de Medicina, quando me colocaram frente a frente com essa mulher resignada, que varria a calçada sem pausa e que fazia de tudo e de todos seus objetos de cuidado. Em um luto arrastado pela perda do marido, era invisível aos outros e, por vezes, também a si mesma (pois sempre dizia que, por ser analfabeta, era "cega das letras" e reforçava ao final das nossas consultas: "quem não sabe ler é cego, minha filha"). Adélia foi uma, mas é ainda várias.
Trechos da obra
"Enxergar-se era tarefa a que Adélia não estava adaptada. Passeava no escuro. Seguia invisível, proibida por si mesma - uma tristeza permeada por felicidade clandestina, uma cegueira permeada por visões marginais."
"Não conseguia subir por nada: não tinha dinheiro, não tinha marido, não tinha um dos filhos, não tinha fôlego."
"Que ideia fixa era essa de ler e escrever... Ninguém precisava dessas bobagens, muito menos uma menina feia feito ela - como dizia o pai -, que parecia nem ter futuro - apenas um passado ancestral de escravidão, fome e barbárie."
"A cegueira dos olhos é fácil de se curar: dá-se uma bengala e tempo, a pessoa se acostuma, vive e, provavelmente, não faz mal a ninguém. Mas a cegueira da verdade, essa faz mal todos os dias, sem descanso, sem interrupção, sem respiro."
"A que altura será que o Antônio estava? Que maravilha poder atingir o céu. Ainda mais atingi-lo em vida... Notar em uns olhos, em um lábio ou em um dedo da mão o mundo inteiro, o universo completo, esquecer-se das horas ao menos por um tempinho, deixar as preocupações atrás da porta, junto à vassoura que varreu tanto a calçada nos últimos anos e apenas ser."
"Será que se ela parasse de empurrar o mundo continuaria girando?"
"Talvez fosse isso o amor: o homem que se faz ver em todos os outros, mesmo depois de já ter ido dessa para melhor. O amor era isso: uma disposição para escolher ver o que se deseja, seja em que rosto for."
"E, afinal, Deus sabe mais que os espelhos?"
O livro está disponível no site da Editora Voz de Mulher: clica aqui
Fernanda Germano é escritora e autora de “Cegueiras na Calçada” (Voz de Mulher, 2022). É discente do curso de graduação em Medicina na UNICAMP e faz da experiência com atendimentos a populações vulneráveis inspiração para a escrita. Foi vencedora do concurso literário Escritos da Quarentena, promovido pelo Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, e concorre ao Prêmio Off FLIP de Literatura nas categorias conto e crônica. Desenvolve sua voz e a garante a quem deseja falar também.