por Taciana Oliveira__
Na coluna Falatório desta semana conversamos com o escritor Tiago Feijó. Na pauta o relançamento do seu romance Doze Dias, obra ganhadora do Prêmio Manuel Teixeira Gomes de Literatura 2021 (Portugal) e finalista do Prêmio Leya do mesmo ano. O livro agora tem uma edição publicada no Brasil pela Editora Penalux. Este é o terceiro livro de Feijó, que tem uma carreira premiada. Em 2014 conquistou o prêmio Ideal Clube de Literatura, com o livro de contos “Insolitudes”, com o qual também venceu o Prêmio Bunkyo de Literatura 2016, como “melhor do ano”. Com seu segundo livro, “Diário da casa arruinada”, foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2018. Em 2021, venceu, pela segunda vez, o Prêmio Cidade de Manaus 2021, na categoria contos, com título a ser publicado em 2023. Através de uma escrita poética, valendo-se de imagens e símbolos, o autor narra o reencontro entre Raul e Antônio, pai e filho que têm uma relação distante e estremecida, à qual precisa se reconfigurar justamente quando a saúde do pai se encontra debilitada. Os doze dias do título simbolizam o período em que ocorre essa catarse.
Abaixo segue a nossa conversa:
1 - De que forma a sua experiência pessoal ajudou na composição dos perfis psicológicos dos personagens do livro?
Penso que criar uma personagem é compreender antes de tudo os mecanismos internos da narrativa na qual essa personagem transitará. Consciente desses mecanismos, basta compor essas personas de papel com os elementos necessários para que elas cumpram as funções para as quais estão destinadas. Em outras palavras, o próprio livro, com a sua estrutura pré-estabelecida, determinará as composições adequadas para o cumprimento dos destinos de cada personagem. Dito isso, creio que compus as personagens de Doze Dias baseado nas leis que o próprio livro me ditou, e, claro, transferindo para elas características que vi, ouvi ou li de pessoas ou personagens que a vida me fez conhecer.
2 - O que você destacaria do processo de desenvolvimento da obra? Como você definiria Doze Dias?
Eu destacaria do processo o desafio que me impus de criar um romance cuja estrutura se assenta no conceito da desconstrução temporal, a não-linearidade cronológica. Chamo de desafio porque foi de fato uma batalha árdua concluir a estrutura final do livro sem me questionar se não havia nela alguma lacuna, algum erro fundamental que pusesse o livro a perder, um labirinto sem saída. Quanto à definição, acredito que Doze Dias é um livro sobre a aceitação do outro, o passo que damos em direção ao outro, mesmo que esse outro esteja a milhas de distância de nós e de nossas crenças.
3 - Além do referencial literário você buscou outras referências artísticas na elaboração do seu romance?
Sempre que escrevo procuro acessar todo material artístico que levo comigo, a bagagem de informações e de estética, as referências que me guiam nos diversos campos da arte, assim como o conhecimento linguístico, etimológico e filosófico. Para escrever precisamos sempre pôr na mesa todos os nossos conhecimentos, por mais insignificantes que pareçam. Mas, no caso de Doze Dias, os principais guias vieram mesmo da literatura e da música. Me preocupei bastante com os sons das palavras, com o arranjo da frase. Isso se revela diante da análise do efeito criado pelos verbos no futuro que utilizei principalmente no final dos capítulos.
4 - Qual a gênese da concepção narrativa de Doze Dias?
Doze Dias surgiu de uma experiência que tive com meu pai. Em dezembro de 2015 passei doze dias com ele num hospital, ao fim dessa jornada ele veio a falecer. Sai do hospital enlutado e com a certeza de que possuía material suficiente para escrever um romance. É preciso dizer aqui que o livro não é biográfico, tudo ali é ficção, exceto a experiência desses doze dias vividos no interior de um hospital. Obviamente, mantive alguns dados que pertencem à realidade, como por exemplo o hospital onde tudo ocorreu e a cidade também.
5 - Pensando no conjunto da sua obra e do seu crescimento como autor, o que esse livro representa para você?
Penso que Doze Dias faz parte desse projeto ao qual me dedico de escrever sobre os abismos do homem, a escuridão do homem, principalmente no âmbito familiar, na relação que tem com a sua família. Vida, morte e amor sempre me pareceram os grandes temas da Literatura, mas deles podemos depurar também o que eu chamaria de subtemas. No caso de Doze Dias, é possível concluir que a morte é o seu tema principal, mas acredito que o livro se debruça mais sobre como os seus personagens vão encarar essa morte e como poderão viver em paz depois dela.
6 - Como você descreveria os personagens femininos presentes em Doze Dias?
Acredito que as personagens femininas do livro possuem a força necessária para equilibrar a fraqueza das personagens masculinas. A personagem principal do livro, o senhor Raul, carrega consigo uma carga profunda de machismo, que expressa em diferentes ocasiões as marcas inequívocas do patriarcado. E as personagens femininas também servem de contraponto aos males causados por essa herança nefasta. Veja que todas as problemáticas levantadas pelo enredo são sempre mais difíceis de serem enfrentadas pelos homens do que pelas mulheres. E creio que elas são uma espécie de luz, de guia, capaz de conduzir esses homens quase cegos pelo caminho da superação ou compreensão de seus egoísmos e fracassos.
7 - Você parte de uma situação familiar para compor uma ficção que expõe a ausência e frustrações do relacionamento entre pai e filho. Na sua relação com a literatura cabe a afirmação que a escrita é um aprofundamento da vida?
Se entendermos que a escrita, como tantas outras atividades, é também um exercício de reflexão sobre a nossa experiência, sobre a nossa concepção de mundo, sobre as nossas ideias e crenças, creio que sim, que é justo dizer que a escrita é um aprofundamento da vida. No entanto, não é só isso, evidentemente. Acho que para cada escritor essa relação possui a sua particularidade. No meu caso, é da minha experiência de vida que tiro a matéria prima da escrita.
Taciana Oliveira é natural de Recife (PE), Bacharel em Comunicação Social (Rádio e TV) com Pós-Graduação em Cinema e Linguagem Audiovisual. Roteirista, atua em direção e produção cinematográfica, criadora das revistas digitais Laudelinas e Mirada, e do Selo Editorial Mirada. Dirigiu o documentário “Clarice Lispector - A Descoberta do Mundo” Tem no prelo Coisa Perdida, livro de poemas.