por Adriano Espíndola Santos__
Era manhã quente, e nada se ouvia. Tive um pressentimento estranho, como se o mundo houvesse parado por uns instantes. Impossível não se lembrar da chacina que ocorreu em 1982, na casa de Expedito Bocão. Naquela época eu tinha somente oito anos. As lembranças são confusas e espessas, mas as silhuetas no chão batido são claras demais – e me atormentam. Lauriano, meu tio, falou que era acerto de contas; briga das famílias Barbosa e Silveira. Meio mundo da cidade se debandou depois daí. Eu mesmo, ente enviesado dos Barbosas, tive de pegar o beco com minha família, com medo de represálias avulsas. Lauriano também se foi; até hoje, para lugar incerto e não sabido. “Evaporou-se!”, como meu pai declarou. Tenho parentes em São Paulo, na Bahia e em Minas Gerais. Não reconheço mais nenhum. Como minha mãe havia desaparecido antes disso, pai carregou a reca de filhos para Sergipe – segundo ele, lugar promissor. Chegamos sem eira nem beira, com a cachorrinha e tudo. De primeiro, pai foi trabalhar na roça, no interior; era isso que sabia fazer. Depois, um e outro foram crescendo e querendo agarrar o mundão em Aracaju. Eu era tido como louco, por querer voltar a Missão Velha, interior do Ceará. Havia um medo e um desejo incontido quando falava do lugar. Queria, inclusive, tirar a prova, com meus olhos, de que, como muitos diziam: “É terra amaldiçoada!”. Nunca acreditei nisso, em superstição ou coisa que o valha. Fui o único a estudar e me formar, em Geologia; queria algo voltado à Arqueologia ou à Paleontologia, mas nada disso havia em Aracajú, na época. Então, ingressei num cargo que me deu acesso a avançar nos estudos sobre paleontologia. Sempre me fissurei por questões relativas aos seres ancestrais. Missão Velha tornou-se, com o tempo, objetivo e fixação. Voltei à terra de meus antepassados. Andei por sítios que confirmavam o seu potencial paleontológico. Fui à casa de meus pais, que hoje é uma casa arrumada, muito maior, que abriga uma linda família de agricultores. Tomei café e proseei com o dono atual, que me revelou o que de fato precisava saber: “Aqui mora preciosidades, seu Aurélio! Nós arranca uma pedra e vê bicho de todo tipo”. Animei-me que até me esqueci do passado grotesco. Contido, andei bastante do centro a uma comunidade próxima, onde morava Expedito Bocão. A sensação já relatei: pensei que morreria ali, enquanto o chão ardia e o vazio era ensurdecedor. No relatório médico, houve um princípio de infarto. Encaminharam-me para um hospital de referência da região. Fui convidado a abandonar o projeto por um tempo; mas o dever falou mais alto, e fiquei. Espero ter tempo para dizer o que sucedeu. Quando houver coragem e o coração latejar por verdades.
Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. Instagram:@adrianoespindolasantos | Facebok:adriano.espindola.3 email: adrianoespindolasantos@gmail.com