Jorge da Capadócia ou do Rio?, crônica de Carlos Monteiro

 por Carlos Monteiro__



Foto: Carlos Monteiro


Todo o Planeta sabe que o Rio é lindo por e pela natureza, foi abençoado por Deus, sendo o almoxarifado Dele; assim escreveu Monteiro Lobato. Também sabe que Jorge sentou praça na cavalaria. Jorge, o Benjor, já dedilha e entoa em mi menor, fá sustenido menor com a sétima, sol maior e fá sustenido menor com a sétima por quatro vezes, em coro com Racionais MCs e Fernanda Abreu, numa ode ao Santo Guerreiro.

Não é qualquer cidade do mundo quem tem, por assim dizer, dois padroeiros; um oficial, o São Sebastião que também é Oxóssi e um no ‘paralelo’, que transita majestosa e galhardamente, do alto do Humaitá, pelo sacro e ‘profano’: São Jorge que também é o Orixá Ogum e, na Bahia, é Oxóssi, além de ser padroeiro oficial do Estado.

Ogum abre caminhos, é o cavaleiro que vem de Aruanda com sua espada em punho, vence demandas, representa a força do bem contra o dragão da maldade. Distribui rosas vermelhas sendo puro amor.

Domingo, 23, foi dia de Jorge, dia de alvorada festiva com toque de corneta, fogos de artifício aos primeiros ‘acordes’ do Astro-rei, de palmas, de Jorge Benjor cantando “Jorge de Capadócia!” ao fim da missa e o grito uníssono, a plenos pulmões, de seus devotos: “Viva Jorge! Salve Jorge!”. Dia em que os atabaques soam nos terreiros e barracões e espadas se cruzam em proteção.

Jorge é assim; íntimo, solidário, companheiro, amigo de copo e de cruz. Está no altar da igreja, nos congás, encima as prateleiras dos botecos, sempre acompanhado de um copo de cerveja e um jarro com espadas-de-são-jorge. Está nos relicários, nos escapulários, representado nas guias e nos brajás. Escancarado nos nichos das alcovas e nos oratórios do hall de entrada. Jorge emoldura as pipas que a garotada bronzeada empina em duelos imaginários onde não há lança ou dragões. 

O Guerreiro permanece sólido nos azulejos que coroam as casas, tradição vinda de Portugal, onde divide a proteção com Nossa Senhora da Conceição. Jorge é onipresente pelas ruas do Rio, basta dobrar uma esquina para encontrá-lo. 

Com todo respeito, Jorge é cria do Rio. Jorge, apesar de ter nascido na Capadócia, tem vários ‘quês’ cariocas. É padroeiro do América do Rio, time de coração de todas e todos. Gosta de uma batucada — é padroeiro do samba — ‘bênça’ Tia Ciata, Donga e Sinhô. Aprecia cerveja e feijoada. Não é à toa, que o clássico prato, que é ‘figurinha carimbada’ nos cardápios da cidade as sextas e aos sábados, é favoritíssimo em comemoração a data, regado pelo precioso líquido amarelo, estupidamente gelado, criado pelos sumérios, à base de cevada, lúpulo e malte e embalado pelos toques dos surdos de marcação, tamborins, repiniques, agogôs e pandeiros. 

Jorge é um misto de devoção, amizade e fraternidade. Fui lá acender velas para São Jorge, porque ando vestido e armado com as roupas e as armas de Jorge.

Salve Jorge! Ogunhê

Jorge da Capadócia ou do Rio de Janeiro por Carlos Monteiro 









Carlos Monteiro  é fotógrafo, cronista e publicitário desde 1975, tendo trabalhado em alguns dos principais veículos nacionais. Atualmente escreve ‘Fotocrônicas’, misto de ensaio fotográfico e crônicas do cotidiano e vem realizando resenhas fotográficas do efêmero das cidades. Atua como freelancer para diversos veículos nacionais. Tem três fotolivros retratando a Cidade Maravilhosa.