Minhocão aberto, crônica de Anthony Almeida

 por Anthony Almeida__




Foto: Anthony Almeida


"O Elevado Presidente João Goulart, nomeado anteriormente Elevado Presidente Costa e Silva, e popularmente conhecido como Minhocão, é uma via expressa elevada da cidade de São Paulo, que liga a região da Praça Roosevelt, no centro da cidade, ao bairro de Perdizes"


— Faz favor?

— Quê?

— Olhaí da janela e me diz se o Minhocão tá aberto.

— Acho que... Acho que talvez...

— Tá me tirando?

— Ah, tem gente passando; sem carros. Então tá fechado.

— Não, não, tá aberto! 

— Se tivesse aberto, os carros estariam passando, né, não?

— Tá aberto pras pessoas, mano! Dá pra gente dar um rolê por lá. Vamos?


"Parque Minhocão: aberto para pessoas durante a semana das 20h às 22h e aos sábados, domingos e feriados das 07h às 22h"


— É bom que vamos aproveitar o sol depois de três dias frios!

— Bora!


"Construído na década de 1970, o Elevado, com 3,4 quilômetros de extensão, faz parte da ligação leste-oeste e passa por cima da Avenida São João"


— Tô a fim de andar nele até o fim. Pensei de fazer ida e volta, bora?

— Vai lá! Eu vou ficar tomando sol. Mais tarde a gente se encontra.


"A operação Minhocão coloca à disposição da população bancos, espreguiçadeiras, tabuleiros de xadrez, tapetes de ioga e barras para patins e skates nos horários em que o Elevado está aberto para os pedestres”


— A gente se encontra aqui, ó. Tá vendo aquele mural, né?

— "Eu sabia que você existia"?

— Esse mesmo. Se eu não estiver mais aqui, fui pra casa. A gente se encontra lá, beleza?

— Beleza!

— Vai olhando os murais, as paredes, vai ter um monte de coisa e de gente pra você ver!


"Eu sabia que você existia"

"A tinta utilizada neste mural purifica o ar"

"No país da corrupção pixar é crime"

"Monta mona"


Um cara de cavanhaque, numa das espreguiçadeiras, toca violão e traga um beque. O aroma subliminar sobrevoa, ecoa e arruma um espectador, que se atrai pelo espreguiçado. É um ciclista grisalho. Ele para de pedalar, gosta do que vê, ouve e respira. Bate-papo com o cara do violão. Flertam.


"Ser-se"

"Nós <3 Centro"

"É menine ou menine?"

"Hoje não vão me ferir"


Caminho de sandálias havaianas. Depois de alguns quilômetros de andada, sinto uma necessidade e uma curiosidade: tirar as havaianas para pisar no asfalto.


"Coragem"

"A cidade é nossa"

"Eu me vejo em você"

"Você me faz melhor"


Na linha do horizonte de edifícios, um helicóptero pousa sobre um deles.


"A natureza tem nos aturado"

"Perigosa"

"Curva"

"Devagar"


Chego na ponta de Perdizes. Desço do Elevado e exploro ao redor. Mais mensagens me chamam.


"O verdadeiro sanduíche de Bauru"

"80 anos de sua criação"

"Finas fatias de rosbife"

"Fatias de tomate"

"Pepino em conserva"

"Quatro queijos fundidos"

"Pão fresquinho e crocante"

"Este é o verdadeiro Bauru"

"Faça o seu pedido"


Faço.


São Paulo/SP. Fevereiro, 2023.





Anthony Almeida
é geógrafo, professor e cronista. Nasceu em Caruaru/PE e mora no Recife/PE. Pesquisa a Geografia Literária, escreve e estuda a crônica brasileira. É cronista da Revista Mirada, doutorando em Geografia, pela UFPE, e editor adjunto da RUBEM – Revista da Crônica. Saiba mais em: https://linktr.ee/anthonypaalmeida