Poemas de maquinário feminino e outras conversas, de Marina Grandolpho

 por Marina Grandolpho__







RAPAZ SEM GRAÇA

não vejo graça no teu riso 

ora frouxo, ora forçado

tampouco vejo graça

na tua conversa fiada

presunçosa e ofensiva


não vejo

              a  me-nor    

                               gra-ça


o teu modo condescendente

de dizer que sente muito

vai de encontro ao meu modo

de sentir o mundo

e esbarra na minha solidez


escolha de quem já não vê graça

no sujeito que insiste em dizer,

brincando, 

que até gosta do meu jeito


não só dispenso a tua preferência 

como dou soco no vazio 

onde caminha a tua confusão


meu coração não é lugar

para stand-up medíocre

muito menos pista de dança

para quem não sabe sambar


prefiro bailar solitária 

com meus sonhos tropeçando 

no saguão dos desejos 

que se transformam

todas as vezes que me toco



DESPETALADA

ontem me contaram a história

de uma mulher despedaçada

por um homem 

                           que a partiu

por um filho 

                           que pariu

por um deus

                           que se omitiu


ninguém sequer ouviu

                                    as suas preces 

recolheu os seus cacos

resolveu o seu caso

revolveu o seu caos


resignada, 

desfez-se no chão

   pétala

                por

                         pétala

e enfeitou

o choro

incontido   

que agora 

rolava

             pela

                      face


VASO QUEBRADO

o dia que você esbarrou 

no vaso da minha sala de estar

nem sequer olhou a porcelana 

estilhaçada no chão


a peça colidiu com o 

assoalho e se espatifou


você ficou ali parado, 

olhando como se a cena 

não lhe coubesse


resignada, juntei 

caco 

por 

caco

e me mantive calada,

apenas fitando

os seus olhos


não soube o que dizer 

daquela vez

mas agora sei:

gosto de quem limpa os cacos 

daquilo que quebra,

cortando os dedos 

nos pedaços pontiagudos

— se for o caso.



*Poemas de maquinário feminino e outras conversas (@editorapatua, 2023)





Marina Grandolpho
nasceu em Catanduva, SP, e atualmente vive em Campinas, também SP. Formada em Letras pela UFSCar e doutora em Estudos Literários pela Unesp, é professora e escritora, além de mãe e feminista. Possui textos publicados em revistas/portais literários e em sua newsletter. Em 2022, publicou a zine independente Por debaixo da carne sou palavra e, recentemente, publicou maquinário feminino e outras conversas (
Ed. Patuá), seu livro de estreia.