por Anthony Almeida__
A visão de uma metrópole funcionando é gaseificante. Passa gente, passa pombo; passa carro e carreata; passa ônibus, trator; passa metrô, passa beata. Passa helicóptero, bigodinho, passam não muitos cavalos, sapatilhas apertando os passos dela; passa um kimono azul com faixa verde, um nariz cansado, olhos sorridentes; passa o silêncio dos smartphones, passa um cropped terracota; passam pessoas conversando.
Se isso não é gaseificante, é sufocante.
Passam pedaços de histórias:
"Quando eu olhei, o tapete tava todo, todo sujo de chocolate!
"Aí, Pâmela, eu morri de rir quando eu vi...
"Eu nunca cheguei atrasada no serviço e aquela bruxa vem me dizer uma coisa dessas!
"Não sei como ele não peidou (veja que pode ser gaseificante e sufocante ao mesmo tempo).
"Você tem muitas ideias boas... Mas não coloca nenhuma em prática. E aí, vai fazer o quê? Vai ficar em casa, deitado no sofá? (sufocante e gaseificante, eu disse)
"Boa tarde, pessoal, eu estou passando por necessidades: econômica e alimentar. Vim pedir uma ajuda pra vocês, uma moeda, um pacote de bolacha, uma caixinha de leite, uma cesta básica, emprego...
"Nossa, amiga, eu jurava que você era gêmeos e não câncer.
"Aí ele falou: há uma dependência emocional aí!
"Trepar horrores! Sair com um, sair com outro...
"É meu filho, pronto!
"E eu que deixei o pão no forno pra ver homem no celular! Hahaha! Ahahahahahah!
"Aquela guloseima lá tava duvidosa, tanto é que...
"Esse São Pedro é um lazarento!
"A batata é 3 por 10, se não for boa, eu devolvo o dinheiro.
"Você tá bem, moço? Precisa de ajuda? Quer um remédio?
"Eu e você amassando a carne dele. Ele ia ficar planinho!
Passam.
Passo.
São Paulo/SP. Fevereiro, 2023.
Anthony Almeida é geógrafo, professor e cronista. Nasceu em Caruaru/PE e mora no Recife/PE. Pesquisa a Geografia Literária, escreve e estuda a crônica brasileira. É cronista da Revista Mirada, doutorando em Geografia, pela UFPE, e editor adjunto da RUBEM – Revista da Crônica. Saiba mais em: https://linktr.ee/anthonypaalmeida