Sobredor, poemas de Renata Giriolli

 por Renata Giriolli__








Sem

Mas o que seria da minha vida
sem os meus exageros,
momentos extremistas,
de apelos indiscretos,
mãos, peitos, chinelos?


Sem o desgrenhar dos cabelos,
olhos vermelhos,
choro, loucura, vela?


O que seria dessa minha agonia explícita,
maliciosa cisma
de ter o seu eu hiperbolizado no meu corpo?
Gemido, desgosto!


O que seria de mim?
Fria, frágil,
trágico ser tão só.
Sozinha, mar, poeira.


Estaria, eu sem você.
Grito sem voz.
Voz sem gemido.
No escuro.
Só.


Fora de controle


Abandonei-me de vergonha.

Cretina,

obscena,

cometi erros imperdoáveis,

pecados escancarados.


Fui escandalosamente sua

mesmo em lugares públicos.

Fui pública 

mesmo em locais particulares.

Fui escandalosa em todos os lugares.


Indecente,

imprudente,

permissiva e submissa.

Submeti-me fora de controle

aos seus desejos orgulhosos.

Orgulhosa de suas vontades,

escolhi você a mim.


Perturbada,

enlouquecida,

feia

e esquecida.

Esqueci de escovar os cabelos para passeios de domingo.

Esqueci de limpar os dentes reservadamente.

Esqueci de limpar-me para encontros sociais.


Na lama,

estive inevitavelmente suja.

Atirei-me em devaneios.

Entreguei-me ao mundo.


Corrompida,

entorpecida

e espremida.

Juntei-me a mim

num precipício qualquer.

Qualquer barranco,

fundo de poço,

fim do caminho,
buraco.


Caos.

Tormenta.

Sedenta de vida.

Vida pequena.

Vida sem juízo.

Pés tortos.

Pensamentos arruinados.

Corpo morto.

Ruína.

Chuva fina.

Lava a vida.

Vida jaz.

Eu não queria te machucar


Eu não queria te machucar.

Só que quando eu vi,

eu tava muito irritado.

Aí você ficou falando um monte de coisa confusa,

me tirando de otário.


Eu não queria te machucar.

Eu só te peguei pelo braço,
era só um abraço, porra!

Você sabe que era.

Eu queria te dar colo e você confundiu tudo!


Eu não queria te machucar.

Eu ri!

Eu ri sim da sua cara.

Mas era porque eu sabia que estava te perdendo.

Cadê o seu senso de humor, porra?


Você sabe que eu não queria te machucar.

Você era o meu sonho de vida!

Eu sempre te disse isso!

Eu queria te dar só amor,

mas você estragou tudo!


Eu não queria te machucar.

Eu morro de ciúmes de você!


Eu não queria te machucar.

Você é burra?


Eu não queria te machucar.

Desculpa!


Eu não queria te machucar.

Cala a boca!


Eu não queria te machucar.

Sua louca!


Eu não queria te machucar.

Eu sou muito burro!


Eu não queria te machucar.

Eu não tô a fim de te ver hoje!


Eu não queria te machucar.

Eu não bebi!


Eu não queria te machucar.

Você tá feia!


Eu não queria te machucar.

É só uma amiga, sua tonta!


Eu não queria te machucar.

Minha família não quer mais você aqui!


Eu não queria te machucar.

Sai daqui!


Eu não queria te machucar.

Onde você tá?


Eu não queria te machucar.

Você gritou comigo?


Eu não queria te machucar.

Tô aqui na portaria do seu prédio! Desce!


Eu não queria te machucar.

Eu devia ter dado um chute na sua cara.


Eu não queria te machucar.

Eu vou te matar!

Sem limites


Você sempre foi um carro em alta velocidade

prestes a acidentar-se a qualquer momento,

a matar qualquer um que surgisse na sua frente.


Você tinha um ódio dentro de si,

impossível de parar.
Uma fúria,

uma sede de vingança...

de quem?


Eu, tantas vezes, parei pra me indagar:

- Pra quem você faz tudo isso?


O psicopata tem que ter motivo?
Tem que ter sido lesado antes?
Tem que ter um passado vexaminoso?

Tem que ter passado por traumas?

Eu,

ainda inconscientemente,
procurava essas respostas,
para te defender,

te dar álibis,
desculpas,
as mesmas que acabariam comigo.


Mas,

olhando melhor,

eu só conseguia ver a fúria de um carro em velocidade

tentando exterminar todas as curvas,
queimar asfalto,
ultrapassar carros de passeio,
atropelar pedestres...

vitimar pedestres -

aqui,

eu!



Sem limites.

Você não aprendeu a palavra limite.

A linha determinava que você deveria parar

e você só prosseguia.

Você só rasgava a via,

me rasgava e 

se satisfazia.


Você era sem...

Diário


Aos dezenove dias do mês de agosto, 

na ala inferior do sobrado,

com a rua rumorosa

e uma sensação de calor e cansaço frequentes,

ela começou a excogitar

uma vida um pouco mais prazenteira.










Renata Giriolli
, é paulistana, formada em Publicidade e Propaganda e Artes Cênicas. Desde a infância, flertava com as artes e na adolescência as aulas de literatura despertaram a paixão por poesias, quando também escreveu o seu primeiro poema. Desde então, ela nunca parou de rascunhar seus versos, alternando momentos mais profícuos a outros de uma grande seca criativa. Há bem pouco tempo, decidiu testar sua produção literária em antologias coletivas de poesias e o prazer que isso lhe deu a fez levar a escrita com mais afinco. Em constante busca artística, atualmente vem abastecendo a sua vida com as duas profissões, permitindo levar as suas reflexões e pensamentos para além da sua própria existência.